quinta-feira, 16 de abril de 2009

A folha, o vento, a ida e a volta

Hoje acredito que foi o vento daquele dia, no Hyde Park, quem me trouxe de volta. Trinta de agosto de 2008, o céu estava claro e as pessoas aproveitaram para ir até lá e não fazer nada sério demais. Alguns se deitaram na grama e dormiram, outros passearam de patins ouvindo mp3, alguns jogaram futebol com os amigos. Era comum ver alegria e prazer estampados nos rostos das pessoas. E eu tanto idealizei o próximo dia como um dos mais felizes que aquele se tornou o marco de um pesadelo brutal. O presente de aniversário, um lindo relógio em formato de diamante para pontuar as horas restantes da minha segunda e curta estadia em Londres. E o cartão nunca me foi entregue. Tive que me contentar com palavras que jamais achei que ouviria. O desfecho da história, o dia que decidi vir embora e deixar para trás uma vida de sonhos em prol do maior de todos. O prêmio, você, Anachin.

Oito de abril de dois mil e oito, o dia que tudo começou. Eu recuperei o fôlego após seis meses de férias no Brasil e resolvi ir ao encontro daquilo que chamava de felicidade. O clima frio, as botas e casacos, uma vida louca e sem horários fixos, o poder de compra, a facilidade de locomoção e segurança da cidade, o biotipo europeu, os milhares de olhos claros que me hipnotizavam, as festas, a facilidade em realizar viagens, as luzes que transformavam Londres na cidade mais encantada do mundo. Enfim, a vida até então idealizada. No fundo, eu sabia que algo mais importante estava para ocorrer, pois o vento soprou no meu ouvido que um acontecimento especial me aguardava do outro lado do oceano. Eu ignorei as premonições e fui ao encontro de tudo isso. Uma semana depois, eu decidi sorrir para você através dos olhos do seu pai, há exatamente um ano. Eu entendia que estava sorrindo para ele, mas hoje percebo que você foi quem eu vi todo o tempo. Um ano e a minha vida deu uma volta de trezentos e sessenta graus. Sempre que te admiro dormindo no seu bercinho verde, custa acreditar que só precisei de alguns meses para alcançar o maior sonho de uma vida inteira.

O vento do Hyde Park estava excepcionalmente significativo naquele dia. Se eu pudesse apagar as lembranças de uma tarde triste, tenha a certeza de que o faria. Mas o vento, impiedoso, fez questão de deixar marcado para sempre tudo que foi dito. Eu tinha estendido uma saída de praia branca na grama do parque, e deitei por cima para poder absorver um pouco da energia da terra. Eu precisava da força da natureza para assimilar tudo que o seu pai dizia, palavras que doeram e até hoje mantêm feridas abertas. Uma semana depois voltei para o Brasil e sua avó descobriu uma folha ressecada do parque escondida dentro da saída. O vento a pôs lá para garantir que eu não esqueceria daquele dia...

Duas enormes malas, o coração explodindo de felicidade e o maior sorriso de saudade da única cidade que fez o meu corpo tremer e a minha mente identificar sentido em tudo. Finalmente eu tinha me dado a chance de recomeçar, novamente. A sensação de vitória estava mais forte do que nunca e eu tinha a certeza de que não voltaria ao Brasil nos próximos anos. Meus olhos não podiam crer no que viam depois de tanto tempo e me senti como se nunca tivesse pertencido a outro lugar. A mesma percepção da primeira vez, quando conheci Londres e nunca mais consegui esquecê-la, nem por um segundo. O reencontro com amigos queridos e o começo de um amor que deu origem a você, filho. A minha vida tinha tomado um rumo inesperado e eu gostei. Tudo incidiu tão rapido... Foi o vento que alcançou a velocidade da luz e transformou todos os acontecimentos em estrelas cadentes. O quanto que esperei pelo dia de hoje para poder comemorar, junto a seu pai, a explosão de um universo só nosso. Mas, na falta dele, comemoro com você ao meu colo e dançamos ao maravilhoso som do mar.

A folha ressecada possui traços marcantes de uma história sem fim. Uma história que se modifica com o tempo e com cada movimento da sua respiração. Ela está guardada, protegida, como um pergaminho sagrado. E o vento fez questão de trazê-la até mim, como a maior lembrança de um dia de difíceis decisões.

O mesmo vendaval que me trouxe de volta, antes me levou ao encontro de um destino inesperado. O vendaval que devolveu antigos sonhos também os arrancou do meu coração sem cerimônias. Tempestades de amor e felicidade se misturam com temporais de decepção e mágoa e geram tornados de emoções jamais sentidas antes. E depois de toda essa tormenta, o vento varre lembranças que não fazem mais parte da nossa realidade. E acredite, filho, muitas lembranças ainda serão varridas e darão espaço apenas para a esperança de uma vida mais saborosa. Mais um ano e o passado que deu origem à nossa convivência será reformulado nas nossas mentes.

A folha, o vento, a ida e a volta...

Preciso que me diga, Anachin. Quanto tempo mais eu preciso para abrir todas as portas e deixar o vento entrar? Quanto tempo mais o vento precisa para apagar o que estava escrito nas dunas do meu deserto? Quanto tempo mais a areia precisa para se mover numa direção contrária a mim?

Quanto tempo será preciso para que, no meu mundo, sejamos apenas você e eu?

3 comentários:

  1. Como anda esse principezinho?
    E a minha linda e loira amiga bahiana?
    Saudades...

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  2. Saudades da minha amiga querida! Ja faz 1 ano, ne? Parabens e mil beijos!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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