sábado, 28 de fevereiro de 2009

Um mês

(Texto escrito no dia 25/02/2009)
Um mês, a partir de hoje, para a primeira data prevista. Um sonho que se torna mais real a cada dia, um medo que me domina quando penso que você está mesmo chegando. Quase tudo pronto, a expectativa toma conta de todos a nossa volta. Ondas se formam na minha barriga. E você se movendo, procurando uma posição mais confortável, mais espaço, se preparando para furar as primeiras barreiras da vida.
Eu passei uma gravidez inteira pensando em coisas que gostaria de te falar, mas as palavras não vieram. Achei que seria mais fácil, tinha planejado durante toda a minha vida uma pauta de informações, idéias e conselhos que julguei interessantes e fundamentais para que você fosse uma pessoa brilhante. Na hora H, deu branco! Nada lembrei, não consegui recordar nem uma frase do lindo discurso que tinha preparado. Entrei em desespero, achei por um momento que seria tudo mais difícil se eu não conseguisse me comunicar com você ainda na minha barriga. E então, com o tempo, percebi que nunca deixamos de conversar. Desde que você foi gerado, nossa relação se tornou possível. Na verdade, sinto que esse elo já existia mesmo antes da minha própria manifestação em carne e osso nesta vida. Tudo que eu aprendi, todas as minhas realizações, já foram passadas para você como heranças espiritual e genética.
Ontem foi um dia de reflexão. Eu estava tão introspectiva que quase não consegui levantar da cama. Senti-me estranha, pesada, desconfortável e deslocada na minha própria casa. Não me senti de lugar nenhum. Olhava em volta e não via a minha família e amigos. Fugi para a piscina, depois me joguei no chuveiro por horas. Nada mudou. A sensação continuava forte e a cada minuto que passava se transformava num incômodo maior ainda. Quis chorar, e quando recebi uma ligação de Ana, lá de Londres, não contive as lágrimas. Despejei toda a minha angústia e dor. É incrível como a Ana tem o poder de me fazer falar mais do que o normal. Com ela, eu consigo ser ainda mais sincera. Só a Ana sabe o que realmente sinto, o que penso e como vejo o mundo. Ela estava no lugar certo e na hora certa, quando por uma única vez, num momento de “lucidez”, eu consegui desmascarar o meu verdadeiro Eu. Tudo é muito mais complexo do que esses textos, filho. Eu realmente espero que você seja como a Ana. Gostaria muito de poder dividir o meu mundo com você...
A Ana Paula carioca. Uma amiga incomum, extremamente especial. Prefiro falar sobre ela um outro dia, merece mais destaque...
Após a ligação, me senti muito mais leve. Consegui enxergar familiaridade em cada canto da casa. Em cada riso estampado. Na Gigi. Acalmei, respirei melhor. Ensaiei uma conversa sensata com algumas pessoas e então a tranqüilidade voltou a imperar. E tudo foi retornando ao seu devido lugar, apesar de ainda não consegui encontrar o meu próprio espaço aqui. O seu espaço, filho, infelizmente ainda não posso garantir em lugar nenhum. Faço-te uma proposta, uma promessa. Vamos achar e conquistar a terra prometida juntos, ok?
Hoje o carnaval se despede, deixa saudades e promete um novo encontro em menos de um ano. Hoje, a escola de samba Salgueiro comemora como vencedor no Rio de Janeiro. E aqui em Salvador, por mais que a festa tenha se findado no resto do país, a impressão que nos passa é a de que as comemorações continuam e jamais se cessarão. Hoje, dia 25 de fevereiro de 2009, inciou-se a contagem regressiva para nosso tão esperado e grande encontro.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Não há fotógrafos...

Eu não podia medir a sensação antes, mas agora vendo os trios e a multidão através da TV, a alegria estampada em cores nos abadás, as músicas mais dançantes, a luz que brilha em toda a avenida, o arrepio inexplicável que contagia o povo, a energia que emana de cada canto da cidade... A indescritível emoção que inunda os circuitos do carnaval de Salvador. Assitir a tudo isso por uma tela quando estou apenas a 40 minutos da maior festa popular do planeta, nossa! Eu não podia recordar o quanto doía não estar lá.
Eu nasci no meio disso, filho! Eu fui contemplada por ter pais maravilhosos que só queriam me proporcionar o melhor, por nascer numa época em que a festa ainda podia ser curtida por pessoas de todas as idades e classes sociais, quando o carnaval ainda era dos baianos. Eu fui criada nas ruas vestida com diversas fantasias, pude curtir o som do Chiclete, pulando sem preocupações no meio da Avenida Sete, ainda criança. E já adulta, ainda tive a oportunidade de seguir o Camaleão do lado de fora do bloco, segurando firme a corda por todo o percurso. Vivi o InterAsa... Segui os trios independentes ao maravilhoso som de Armandinho e Luis Caldas. Nada pode hoje ser melhor do que aqueles tempos de carnaval... Eu, minha família, uma festa genuinamente soteropolitana!
Hoje estou sentada na frente da TV, apreciando a alegria do povo e esperando por você, Anachin. Vejo jovens começando a vida, sem grandes preocupações e com aquele sorriso típico de quem ainda acredita. Um sorriso que eu tinha há quatro anos e perdi, recuperei com muito sacrifício e me foi arrancado novamente, sem o menor pudor. E o mais incrível é que ainda sou muito jovem...
Vejo através da televisão grupos fazendo pose para fotos. Seja um profissional, um desconhecido ou até mesmo um amigo, sempre há alguém de plantão para registrar esse momento tão incrível e inesquecível. Episódios únicos que serão congelados para toda uma eternidade.
E hoje então me dei conta de que não temos muitas fotos, não há quem registre... Ainda bem que já existe o disparo automático após dez segundos! As poucas capturadas são frutos dessa maravilhosa tecnologia, feita para viajantes solitários. Hoje pude realizar que estou há quase seis meses dentro da minha casa e as únicas pessoas que vejo diariamente são os meus pais, minha sobrinha Gigi e os três funcionários. Além dos pássaros, micos e sapos, claro... Não há um fotógrafo! Seus avós não se tocam dessa minha necessidade e a Gigi só tem dois anos.
O tempo passou voando, a semana corre numa rapidez que eu não tinha a noção antes. Já faz mais tempo que estou aqui, sozinha, esperando por você, do que o tempo que vivi com o seu pai. E posso te dizer que todos esses meses foram superdimensionados na minha cabeça. A verdade é que tenho a impressão de sempre ter estado no meu quarto, na minha cama. De que tudo não passou de um enorme sonho.
Tantas coisas aconteceram, meu amor! Tantas outras não puderam se concretizar...
Faltou uma pessoa aqui que poderia registrar todos esses momentos muito melhor do que eu, muito melhor do que qualquer um!
Preciso te dizer o quanto você fez uma barriga linda! Como estou realmente linda, e é uma pena que tudo isso esteja acontecendo, baby! Preciso também dizer o quanto me dói ensaiar fotos de nós dois, sozinha, quantas delas já foram deletadas! Como me constrange pedir a algum desconhecido que fotografe a minha barriga na praia, e depois ter que explicar, inevitavelmente, que não há uma companhia, que não há um companheiro...
A vergonha de posicionar uma máquina e sair correndo, fingir que não percebo nada e fazer uma pose, escolher um sorriso falso, esperar o disparo do flashe... Nesse momento sempre realizo que nunca me senti tão só. Nossa, filho! Mulher nenhuma merece passar por isso! Então me escondo em algum canto da casa onde não haja perigo de flagras, e inicio uma sessão de clicks solitários. Não pode imaginar a tristeza que me toma sempre que penso que a ocasião merece uma boa foto, mas não há fotógrafos...
Aprendi a respirar suavemente, compassadamente, para que essa dor não tome conta de mim. E percebi que estou praticando esse exercício há quase seis meses, e por isso não sinto mais os meus pulmões.
Assisto na TV uma alegria incessante e coletiva. E tudo que penso quando assisto é ter-te nos meus braços pela primeira vez, para poder usufruir de uma sensação melhor ainda. Uma emoção exclusiva. Um disparo automático, único e eterno na minha memória...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Por favor, não solte a minha mão


Eu irei guiar os seus passos por alguns dos seus preciosos e primeiros anos. Estaremos de mãos dadas até que seus pés se firmem e você possa caminhar seguramente, sem tropeços. Só te peço, filho, que quando estiver pronto para andar sozinho, ainda assim não solte a minha mão. A essa altura eu já estarei acostumada com a sua companhia, pois até já sinto seu corpo como extensão do meu. Peço-te que não caminhe depressa, que não me deixe para trás, pois estarei um pouco mais cansada e não poderei correr para te acompanhar. Imploro que não se esqueça dos meus tortos passos, dos meus desordenados, porém sinceros passos. Não solte a minha mão. Estarei contando com a sua ajuda num futuro não muito próximo, contudo certo. Preciso que seja o meu guia quando o caminho já não parecer tão longo. Desejo, mais do que tudo, que seja o meu conforto e a minha coragem por toda a minha vida...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

High Tide Or Low Tide


Engraçado como o tempo passa e as minhas lembranças se tornam ainda mais próximas e claras.
Tudo parece que aconteceu ontem, desde o dia em que eu ainda estava fechando as malas e partindo para um mundo completamente desejado e desconhecido. Os flashes são automáticos e associados, as imagens coloridas e nítidas. As sensações permanecem no meu corpo como arrepios, ânsia de vômito, calafrios...
Na sexta-feira, eu precisei ir a Salvador. Então resolvi ter uma “viagem” agradável, embalada ao som de Jack Johnson, Ben Harper e Donovan Frankenreiter. Grandes companheiros de muitas histórias, antes mesmo de Londres. De repente, lembranças de Amsterdam, imagens de uma trip deliciosa em 2007. Éramos sete, mas parecíamos um grupo de excursão completo! Filho, um dia você irá encontrar em algumas pessoas o verdadeiro significado de “boa companhia”. E esse grupo era exatamente o que eu procurei a minha vida inteira. Bastava-me... Eu nunca tive melhor sensação sobre estar com as pessoas certas. Fosse na maré baixa ou alta, lá sempre estavam todos eles. O ambiente louco e delinquente da Holanda só acentuou a perfeição dessa fase que vivi.
Quando saí do Brasil, a Globo transmitia uma novela no horário nobre chamada “Páginas da Vida”. Um dos cenários inicias foi Amsterdam. Os personagens eram dois jovens, um casal de namorados apaixonado. A garota engravidou inesperadamente e a vida deles se tornou um inferno. O rapaz a deixou e ela procurou no Brasil o apoio que precisava, a família. Não houve mais contato entre eles e a garota morreu após um parto induzido com quase nove meses de gestação, causado por um acidente de carro. O casal de gêmeos sobreviveu... O pai continuou distante e sem notícias do acontecido, por anos... Quando estava prestes a viajar, sua avó me pediu que tomasse cuidado e citou essa novela como exemplo. Eu nunca imaginei que esse quadro fosse parecer tão real para mim, em alguns aspectos...
Confesso que ainda me sinto como uma das trezentas e poucas páginas de um romance retórico, desejada, lida e depois virada sem maiores cerimônias. Uma parte que serviu de guia e depois esquecida. Um pedaço da história que foi censurado. Uma mera folha amassada...
Daí a minha mente retorna à grandiosa viagem para Amsterdam, como proteção de uma memória exausta e descrente. Pa, Miguelito, Kely, Mau, Ana, Gui e eu. O encantador Canal da Mancha, o hostel, os coffee shops, os bondes e as suas trilhas cortando toda a cidade, a linda imagem do bicicletário, a Red Light District, a doceria... Fotos não expostas e lembranças jamais esquecidas. Imagens que não se tornaram turvas nem com o passar do tempo, nem com a fumaça viciosa que envolve toda a cidade. Ainda no carro e ouvindo “High Tide Or Low Tide”, pensei como seria maravilhoso retornar até lá com as mesmas pessoas, após alguns anos. Imaginei Pa ainda surfista convicto, Gui mais tatuado, Mau muito mais relaxado, Kely menos contida, Miguelito sempre mau-humorado antes do “café da manhã”, Ana com alguns centímetros a mais (Ahahahahahah! Se possível né, amiga? Tô brincando... Não chora!), e eu... Eu... MÃE! Só faltou a Camila! Ela não pôde ir conosco na primeira, mas com certeza estaria na próxima. Seria realmente maravilhoso! Todos mais velhos, experientes e com algumas novas e interessantes histórias no bolso do casaco.
Flashes e mais flhases. Passagens que não me deixam esquecer o quanto vivi. Cenas que vivenciei e que me fizeram a pessoa mais feliz desse mundo. Casos como esse são importantes para mim agora mais do que antes, pois sustentam uma idéia de que nem tudo foi em vão. Na maré alta e na maré baixa. Aqueles momentos em Amsterdam foram congelados em fotos e em nossas memórias.
Algumas das páginas do best-seller que está se tornando a minha vida...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

I Have A Dream

Noite passada sonhei com um caso totalmente incomum e complexo. Uma narrativa, uma voz masculina confortante e firme que noticiava uma história digna de alta audiência.
Era sobre um anjo. Uma alma jovem que queria experimentar das sensações humanas, que desejava conhecer o nosso mundo. Um espírito de luz que escolheu uma jovem como ponte para realização de seu maior sonho. Ele tentou de muitas maneiras se manifestar e todas as tentativas foram fracassadas. Todos os seus planos eram abortados. O curioso é que ele só não tentou vir como filho dela. A menina sofria muito e não fazia a menor idéia do que estava acontecendo. Ela não imaginava que “alguém” estava tão próximo dela e que queria participar da vida através de sua energia. Uma vez ele apareceu como um câncer no braço dela, uma ferida terrível que a fez sentir muitas dores. A menina foi operada e curada, e o espírito mais uma vez não conseguiu vivenciar o que tanto desejava. Cansado, ele resolveu entrar em contato e contar o que estava acontecendo. Ele percebeu que ela estava exausta, triste, desistindo das coisas que a faziam feliz. Eles conversaram e ela tudo entendeu. A ligação deles era surpreendente, uma relação de amor incondicional. Lembro-me bem do que ele disse, e com muito carinho a pediu um beijo e um abraço apertado e demorado. E o mais impressionante é que ele a chamava de “meu anjo” todo o tempo. Ela era o anjo dele...
No final da conversa o espírito se identificou. O nome dele era Anachin...
"I have a dream
a song to sing
to help me cope
with anything
if you see the wonder
of a fairy tale
you can take the future
even if you fail
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
I have a dream
I have a dream
a fantasy
to help me through
reality
and my destination
makes it worth the while
pushing through the darkness
still another mile
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
I have a dream "
(ABBA)

Os mundos paralelos

Como o tempo voa!
Há um ano eu estava sentada na varanda da casa, tomando café da manhã e me recuperando de seis intensos dias de farra. Era carnaval. Um maravilhoso carnaval... Eu nunca poderia imaginar que minha vida estava prestes a mudar de direção, ainda mais de uma maneira tão brusca.
Naquele tempo eu tinha a certeza de que a minha volta a Londres, após toda aquela festa, seria viagem “one way” por bastante tempo... O carnaval foi uma despedida. Meus planos eram perfeitos! Eu estava feliz. Coração desimpedido, mente livre de qualquer vício e vontade, corpo descansado e muita disposição. A quarta-feira de cinzas, no ano de 2008, representou mais do que o fim de uma comemoração anual. Simbolizou um adeus glorioso.
Eu nunca tive tanta convicção dos meus sonhos e desejos. Não havia dúvidas sobre planejamentos. Caminho longo, futuro consagrado. Realização espiritual, mais do que pessoal. Ninguém nunca poderá entender o que viver em Londres significava para mim... Só eu mesma sei o quanto me custou chegar até lá, filho. Só eu mesma sei o quanto me custa estar de volta...
No sábado saímos para escolher o seu berço portátil e o carrinho. Uma sensação gostosa, a empolgação tomou conta de mim e quis tudo que existia nas lojas! Fiquei imaginando você em cada canto, vestindo todas as roupinhas, calçando todos aqueles lindos e minúsculos sapatos. Vi-te dormindo no seu bercinho verde, passeando no seu carrinho vermelho, desfilando com a provocante camiseta do Esporte Clube Bahia. Você combina com tudo, baby! Sua avó está super empolgada. Claramente pode-se ver a emoção no sorriso e olhos dela quando encontra algo para você nas vitrines. Após as compras, ela voltou para casa explodindo de felicidade! E eu refletindo sobre como tudo seria diferente se estivéssemos em Londres. Nem melhor e nem pior, apenas diferente...
É muito difícil viver em dois mundos paralelos, Anachin. Inexplicável como o passado e o presente se cofundem na minha cabeça. Um martírio interminável. Uma saudade dolorosa. Uma distância que aumenta a cada dia... Seria maravilhoso se eu pudesse conciliar tudo! Você, Londres, o ano de 2007 com o pessoal da Bush Road, os meses de 2008 no “box room” em Hornsey, meus pais e a Gigi, a praia... Tudo que me fez realmente feliz e realizada até agora. Indescritível seria poder apreciar, da Tower Bridge, a Lua Cheia que temos aqui. Ou poder comer um delicioso acarajé aos sábados, na Porto Belo Road. Melhor ainda seria dançar ao som da Timbalada no Hyde Park, numa bela tarde de sol de domingo. Dar a famosa volta no Guetho... Se a praia onde moramos fosse a dez minutos de Londres, nossa! Nenhum lugar no mundo poderia ser mais completo!
Às vezes penso em tudo que aconteceu e percebo o pouco que me faria extremamente feliz. Quando pequena, eu tinha a certeza de que seria famosa, rica, linda! Hoje, aos 27 anos, todos esses sonhos me parecem muito distantes e apenas anseio a paz. Depois de tudo que já me aconteceu, em tão pouco tempo, eu realmente não poderia desejar nada além disso. Por mais que a minha vida em Salvador seja muito mais tranqüila e fácil, ainda assim eu me sentia mais realizada em Londres. Não conseguiria explicar os motivos, mas aquela cidade mexe demais com a minha alma. E a situação que me encontrava antes de descobrir a gravidez era, na minha cabeça, um cenário quase que perfeito.
Preciso dizer que em momento algum me senti ameaçada por você, filho. Afinal, ser sua mãe sempre foi o meu maior desejo. Lutei muito para tentar manter tudo do jeito que estava, travei uma guerra até comigo mesma para continuar com todos os planos e sonhos. A vida é feita de escolhas... Eu ainda não podia ter tudo. Nem preciso registrar que ter a sua presença foi a única opção pensada no momento da decisão. Sempre foi, desde o início!
Hoje me percebo pensativa, bolando estratégias para reaver aquilo que me foi tirado, planejando um futuro mais do que desejado. Às vezes confundo os motivos e tudo me parece uma simples questão de honra. Mas logo recobro a razão e se torna mais claro quando transformo meus sonhos em objetivos de vida. O mundo da fantasia me encanta, mas a praticidade deve ser a essência da minha vida. Eu não tenho tempo a perder. As únicas idéias de um futuro próximo que me chegam são uma pós-graduação em jornalismo e mídia, a continuação dos cursos de idiomas estrangeiros, uma aprovação num bom concurso que me levará de volta para Londres em boas condições, e a sua formação, que depende do sucesso de tudo isso. Sinto-me um andróide, programada para executar sem ressalvas. Sinto-me mal por me sentir assim. Sinto-me muito bem quando penso que ser “isso” poderá me levar ao sucesso.
A emoção está perdendo mais espaço para a racionalidade e pensar estrategicamente é tudo que me resta no momento. O verdadeiro jogo da vida. Os dados viciados foram proibidos e o blefe tornou-se risco de penalidade máxima.
Você é tudo que enche o meu coração de calor, amor e paz. Você representa o resto de inocência que ainda persiste dentro de mim. Isso ninguém foi capaz de arrancar do meu peito, estava reservado. Agora você também significa uma racionalidade que me assusta, muito mais do que necessária.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Apenas um ponto de vista...

Todos os dias, ao escrever, penso sobre o seu primeiro contato com esse blog. A sua idade, a condição psicológica, moral e social que estará vivendo, o seu interesse em aprofundar o conhecimento sobre a sua história, a nossa história.
Ouvi muitos elogios, apoios incondicionais, mas também críticas por estar expondo publicamente algo tão pessoal e incomum. Algumas pessoas me questionaram, preocupadas, sobre o impacto que tudo isso te causaria, por ter um início “triste e injusto”. A idéia deveria ser apenas te contar o que tem de belo nisso tudo, o seu nascimento, o meu amor infinito por você. O mundo cor de rosa. Mas isso não seria leal com nenhum de nós dois. Não seria eu, nem você. Não poderia representar tudo que envolve a sua existência e a minha condição atual, e quem sabe até futura. A minha proposta é exatamente assegurar que nossas memórias não serão deturpadas, violentadas e depois assassinadas pelas mentes férteis e esclerosadas com o decorrer do tempo.
Só eu posso narrar a nossa história, baby. E sei que só nós dois podemos senti-la. E sei que, sendo MEU filho, saberá assimilar tudo de uma maneira favorável para seu crescimento pessoal.
Não agradei aos gregos, mas causei satisfação aos troianos.
Pelo menos ousei algo, saí de trás do escudo da vergonha e não aceitação e apostei. Espero ter jogado certo! Afinal, as moedas de ouro tornaram-se raras...
Depois de tudo o que aconteceu, Anachin, eu não poderia encolher os ombros, juntar as mãos, abaixar a cabeça até o queixo encostar no peito, e soltar aquele sorriso amarelo para a vida. Aí, sim! A vida poderia zombar de mim...
Um dia, há quatro anos, resolvi apontar o dedo na cara do destino e desafiá-lo para um duelo mortal. Até hoje lutamos, não há vencedor. Ainda...
Às vezes penso que talvez fosse mais fácil se eu não tivesse ousado tanto, mas a covardia não faz parte da minha natureza. Mesmo quando eu sabia que sairia perdendo, eu apostava. Hoje até acredito que isso simboliza uma parte ignorante do meu caráter. Não saber recuar...
E confesso que tenho receio de que você seja como eu, como uma maldição genética. Espera... Será mesmo maldição? Talvez eu esteja apenas observando a situação do lado errado. Um diagnóstico equivocado. Se algum dia me considerarem louca, a minha objeção será fatal! A loucura é um ponto de vista... Mas admito que até eu mesma, às vezes, acredito que estou delirando.
Sabe, filho... A cabeça dá voltas, nó cego de marinheiro. Pensar em desistir sempre é uma opção sedutora. Mas quer mesmo saber? JAMAIS!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A 144 bpm

Estamos entrando no oitavo mês, quase reta final, e todos ainda tentam sentir-te mexendo. Ninguém consegue...
Eu já avisei, já disse, mas não desistem. Passam a mão na barriga, massageam, conversam com você, esperam algum sinal de vida, mas nada adianta. Você só aparece para mim! Quando isso acontece é que tenho a certeza de que nossa ligação está acima de uma relação maternal. Nossa convivência se faz necessária por motivos espirituais, talvez um carma até, compromisso de vidas passadas, promessas não cumpridas que precisam ser realizadas agora, creio mesmo nisso.
Todas as noites, ao me deitar, reservo alguns minutos de conversa com você. Aliso a minha barriga, tento sentir alguma parte do seu corpo, experimento palavras e tons de voz que te fariam mais agitado. Sempre dá certo! Uma noite te chamei e não obtive sucesso na minha busca. Então pus a mão num ponto do lado direito da barriga e disse bem alto “my baby!”, e você deu um chute muito forte. Ri demais, começamos a conversar. Perguntava-te coisas, e você prontamente respondia com mais chutes. E o melhor de tudo é que sempre acertava nas respostas.
Confesso que me divirto quando digo a todos que meu Anachin só quer mexer para mim, a mãe dele. E para mais ninguém! E isso se tornou um desafio para alguns...
Há quinze dias estava sem contato virtual, baby. E isso foi bom para nós dois. Eu fui “forçada” a me desligar do mundo e me dedicar apenas a você. Saimos, compramos utensílios para o seu enxoval, nos divertimos na piscina, conversamos, relaxamos bastante! Agora que a minha rede voltou ao normal posso escrever novamente. Mas precisávamos desse tempo...
Refleti, analisei toda a situação por diversas vezes, sofri muito! Ri alguns momentos com um alívio repentino por loucas conclusões. Tive tempo de juntar tudo, repicar e jogar para o alto, perceber a chuva de ilusões caindo sobre a minha cabeça. E depois catar os pedacinhos em todos os cantos... O ritual se repetiu todos esses dias. Uma brincadeira perigosa, cheia de armadilhas e incógnitas, recheada de enigmas, engenheira por si só. Tomou vida própria, construiu e demoliu as minhas bases mais de trezentas vezes por dia. Deixou-me tonta de tanto pensar, me derrubou com rasteiras da capoeira mais traiçoeira. Para levantar custou sempre mais esforço... Como dizem na Bahia “para descer todo santo ajuda!”.
Ao final do dia senti o corpo cansado, pesado, desmembrado. A mente já não acompanhava mais as minhas vistas. Melhor descansar nos braços de Morfeu e desfrutar dos sonhos que já não tinha há tempos. Sonhos coloridos, surreais e descompromissados da minha infância. Mas a consciência me traiu e me trouxe pesadelos impiedosos. Não tive trégua! A vida deu seu recado. E fez questão de ter a certeza de que a mensagem foi recebida como deveria.
A realidade é um só: VOCÊ ESTÁ CHEGANDO, ANACHIN!
O resto... É RESTO!
26 de janeiro, dia de médico, de acompanhar seu crescimento. Dois meses da previsão para seu nascimento e você já estava com 42cm e 1,7kg. Seu coração batia a 144bpm, você estava perfeito! Você é perfeito! Não pode imaginar o meu orgulho em ser a sua mãe!
02 de fevereiro, dia de Iemanjá na Bahia. Uma das maiores festas populares da cidade de Salvador acontecia e nós recebemos um recado dela na noite anterior. Um sonho misterioso, o mar, uma rede, o peso de uma onda interminável sobre as minhas costas. A areia parecia mais forte após o impacto com meus joelhos. O mar me expulsou com firmeza, agressivo. Iemanjá não aceita dúvidas como oferenda...
05 de fevereiro. Descanso. Decidi dormir o dia inteiro, delirar, até desviar a atenção para desejos ultrasecretos dos meus tempos dourados. Quantas vezes sonhei com Peter Pan e o Capitão Gancho? Nossa... Tom e Jerry! Até mesmo o Roger Rabbit! Ahahahaha! Seria muito bom voltar a revê-los... Ouvi risadas da Gigi na varanda da casa e não consegui me concentrar mais, queria participar da festa. A Gigi sempre me faz esquecer por algum tempo que os meus problemas realmente existem. A sensação que tenho quando a admiro é a de que estou no lugar certo, com a pessoa certa, no momento certo. Nem posso imaginar como será a minha primeira vez com você. Mas uma certeza eu tenho: O MUNDO VAI PARAR, PARA SEMPRE!
As suas 144 batidas serão o nosso ritmo, a nossa velocidade. Eu posso senti-las sempre que enconsto a mão na minha barriga. Tantas pessoas já me contaram suas experiências como mãe, as suas emoções indescritíveis ao primeiro contato, mas sinto que nada disso poderá se comparar ao nosso momento. Cada caso é um caso, cada história tem a sua importância, e sei que no meu mundo emocional vivência alheia nenhuma poderá ser válida. Vamos construir tudo de novo...
Menos de dois meses, filho. Contagem regressiva para uma queda livre. Um salto sem pára-quedas, o desafio mais temido e o mais esperado da minha vida...