quinta-feira, 16 de abril de 2009

A folha, o vento, a ida e a volta

Hoje acredito que foi o vento daquele dia, no Hyde Park, quem me trouxe de volta. Trinta de agosto de 2008, o céu estava claro e as pessoas aproveitaram para ir até lá e não fazer nada sério demais. Alguns se deitaram na grama e dormiram, outros passearam de patins ouvindo mp3, alguns jogaram futebol com os amigos. Era comum ver alegria e prazer estampados nos rostos das pessoas. E eu tanto idealizei o próximo dia como um dos mais felizes que aquele se tornou o marco de um pesadelo brutal. O presente de aniversário, um lindo relógio em formato de diamante para pontuar as horas restantes da minha segunda e curta estadia em Londres. E o cartão nunca me foi entregue. Tive que me contentar com palavras que jamais achei que ouviria. O desfecho da história, o dia que decidi vir embora e deixar para trás uma vida de sonhos em prol do maior de todos. O prêmio, você, Anachin.

Oito de abril de dois mil e oito, o dia que tudo começou. Eu recuperei o fôlego após seis meses de férias no Brasil e resolvi ir ao encontro daquilo que chamava de felicidade. O clima frio, as botas e casacos, uma vida louca e sem horários fixos, o poder de compra, a facilidade de locomoção e segurança da cidade, o biotipo europeu, os milhares de olhos claros que me hipnotizavam, as festas, a facilidade em realizar viagens, as luzes que transformavam Londres na cidade mais encantada do mundo. Enfim, a vida até então idealizada. No fundo, eu sabia que algo mais importante estava para ocorrer, pois o vento soprou no meu ouvido que um acontecimento especial me aguardava do outro lado do oceano. Eu ignorei as premonições e fui ao encontro de tudo isso. Uma semana depois, eu decidi sorrir para você através dos olhos do seu pai, há exatamente um ano. Eu entendia que estava sorrindo para ele, mas hoje percebo que você foi quem eu vi todo o tempo. Um ano e a minha vida deu uma volta de trezentos e sessenta graus. Sempre que te admiro dormindo no seu bercinho verde, custa acreditar que só precisei de alguns meses para alcançar o maior sonho de uma vida inteira.

O vento do Hyde Park estava excepcionalmente significativo naquele dia. Se eu pudesse apagar as lembranças de uma tarde triste, tenha a certeza de que o faria. Mas o vento, impiedoso, fez questão de deixar marcado para sempre tudo que foi dito. Eu tinha estendido uma saída de praia branca na grama do parque, e deitei por cima para poder absorver um pouco da energia da terra. Eu precisava da força da natureza para assimilar tudo que o seu pai dizia, palavras que doeram e até hoje mantêm feridas abertas. Uma semana depois voltei para o Brasil e sua avó descobriu uma folha ressecada do parque escondida dentro da saída. O vento a pôs lá para garantir que eu não esqueceria daquele dia...

Duas enormes malas, o coração explodindo de felicidade e o maior sorriso de saudade da única cidade que fez o meu corpo tremer e a minha mente identificar sentido em tudo. Finalmente eu tinha me dado a chance de recomeçar, novamente. A sensação de vitória estava mais forte do que nunca e eu tinha a certeza de que não voltaria ao Brasil nos próximos anos. Meus olhos não podiam crer no que viam depois de tanto tempo e me senti como se nunca tivesse pertencido a outro lugar. A mesma percepção da primeira vez, quando conheci Londres e nunca mais consegui esquecê-la, nem por um segundo. O reencontro com amigos queridos e o começo de um amor que deu origem a você, filho. A minha vida tinha tomado um rumo inesperado e eu gostei. Tudo incidiu tão rapido... Foi o vento que alcançou a velocidade da luz e transformou todos os acontecimentos em estrelas cadentes. O quanto que esperei pelo dia de hoje para poder comemorar, junto a seu pai, a explosão de um universo só nosso. Mas, na falta dele, comemoro com você ao meu colo e dançamos ao maravilhoso som do mar.

A folha ressecada possui traços marcantes de uma história sem fim. Uma história que se modifica com o tempo e com cada movimento da sua respiração. Ela está guardada, protegida, como um pergaminho sagrado. E o vento fez questão de trazê-la até mim, como a maior lembrança de um dia de difíceis decisões.

O mesmo vendaval que me trouxe de volta, antes me levou ao encontro de um destino inesperado. O vendaval que devolveu antigos sonhos também os arrancou do meu coração sem cerimônias. Tempestades de amor e felicidade se misturam com temporais de decepção e mágoa e geram tornados de emoções jamais sentidas antes. E depois de toda essa tormenta, o vento varre lembranças que não fazem mais parte da nossa realidade. E acredite, filho, muitas lembranças ainda serão varridas e darão espaço apenas para a esperança de uma vida mais saborosa. Mais um ano e o passado que deu origem à nossa convivência será reformulado nas nossas mentes.

A folha, o vento, a ida e a volta...

Preciso que me diga, Anachin. Quanto tempo mais eu preciso para abrir todas as portas e deixar o vento entrar? Quanto tempo mais o vento precisa para apagar o que estava escrito nas dunas do meu deserto? Quanto tempo mais a areia precisa para se mover numa direção contrária a mim?

Quanto tempo será preciso para que, no meu mundo, sejamos apenas você e eu?

terça-feira, 7 de abril de 2009

O nosso mundo verde




“Tudo começou há exatamente trinta e nove semanas atrás...
Eu conversei com Deus e pedi que me fizesse nascer, pois a minha mãe logo precisaria da minha companhia. E então Ele atendeu o meu pedido...
Quatro semanas depois a mamãe descobriu que eu estava lá, dentro dela, me preparando para estrear neste mundo e fazer da sua vida um acontecimento muito mais gostoso. Ela tomou um susto! Eu bem me lembro que, ao ver o resultado do teste de gravidez, ela se jogou na cama de costas e ficou petrificada por alguns bons minutos. O coração parou instantaneamente e, de repente, tudo voltou a funcionar no mais perfeito estado, muito melhor do que antes. A vida se renovou dentro dela.
Eu já não era mais uma surpresa. Por um mês a confusão estava formada e, um dia antes do seu aniversário, ela resolveu voltar para o Brasil e me proporcionar a melhor gestação possível. Sem dores e nem mal-estar, sem limitações desnecessárias. Muitas conversas, choros, pedidos e promessas. Eu só ouvia, quieto, o amor na sua voz, o compasso do seu coração junto ao o meu e o medo nos seus pensamentos. Os sete meses seguintes foram bem aproveitados para a reconstrução de um mundo apenas nosso, meu e dela. O nosso mundo verde.
E então era chegada a hora do nosso mais que maravilhoso encontro. Vinte e sete de março de dois mil e nove, quatro e vinte da manhã. A mamãe, vovó e vovô acordaram e quarenta minutos depois já tinham partido para o meu resgate. Às seis da manhã chegamos ao Hospital Santo Amaro e então duas horas e meia depois concluíram que ali não seria o local do meu nascimento. Muitas grávidas precisavam com urgência da vaga e eu ainda estava muito quietinho na barriga da mamãe. Ela era a gestante mais sorridente que se encontrava lá...
Seguimos para o Hospital Aliança e prontamente recebemos um quarto. O parto estava marcado para uma da tarde, mas somente às duas e meia entramos na sala de cirurgia. Exatamente às três e dezoito eu dei o meu primeiro choro e vi o rosto da minha mais amada mãe, misturando as contidas lágrimas dela com as minhas. A emoção era grande, a mais impressionante. A mamãe, em choque, disse que eu era “uma coisa pequena” e eu chorei novamente, mas pude sentir naquele toque de rostos, no cruzamento das respirações e no cheiro materno inconfundível que eu sou a razão da vida dela. A titia Cacá fotografou tudinho e o tio Ró filmou o meu primeiro banho no berçário. Ah! A chegada no berçário... Eu era a criança mais esperada no hospital, naquele dia. Tanta gente! Vovó e vovô eram as pessoas mais bobas, felizes e emocionadas. Eu nasci pequenino, mas já grandioso em expectativas. Tantas visitas! Antes mesmo do meio-dia já tinha gente no quarto, muitas ligações e mensagens de celular com votos de felicidade, vindas de todos os cantos. Movimentamos o mundo!
Amigos antigos e de muitas histórias, outros amigos que a mamãe já não via há tempos; novos amigos; irmãos, cunhadas e mães de amigas; amigos de internet jamais vistos antes; conhecidos de infância que a mamãe encontrou por acaso no hospital e a família. Pessoas que fizeram a minha história mais linda nos dois dias que repousei no Aliança, até estar apto para enfrentar o mundo aqui de fora. Mais ligações e mensagens, muitos presentes! Muito choro e emoção... Finalmente eu nasci! Eu pude enxergar felicidade e paz infinitas nos olhos da mamãe, assim que abri os meus. Ela estava lá, abraçada comigo, somente esperando o momento de ver a minha alma, de encontrar mais sentido para tudo que existe dentro do novo universo na cor indefinida da minha íris. Naquele momento selamos o nosso pacto, um laço de amor eterno e incondicional. Sem dúvida, o maior do mundo! E a vovó... Essa ainda tem amor em dobro por mim, assim como o vovô. Eu me sinto muito seguro nos braços deles. E as suas vozes, nossa! Sinto tanto conforto! A vovó não saiu do meu lado no hospital, não dormiu nem por um segundo, zelando o meu sono e garantindo a minha seguranca. Já o vovô foi todos os dias me ver e preparou tudo em casa para me receber.
Vinte e nove de março, dez horas da manhã, eu tive o meu primeiro encontro com o Sol. O dia estava lindo e o clima quente, a natureza construiu um belo cenário para a minha estréia. Eu, vovó, mamãe e tio Ró fomos para casa juntos. Um longo caminho ate Jauá e então o encontro com o paraíso que a mamãe me prometeu por todos esses meses. O paraíso que vivi enquanto feto, o mundo verde que a mamãe disse que era nosso. E como é lindo! Sinto tanta paz aqui...
A nossa primeira semana de convivência foi cansativa, pois a mamãe ainda estava muito debilitada e não conseguia dormir. Ainda não consegue... Eu preciso mamar de três em três horas e, além disso, ser assistido todo o tempo enquanto durmo. Ainda estou em fase de adaptação e todo cuidado é pouco! Vovô adora me ninar, conversa muito comigo enquanto estou em seu colo e passa madrugadas ao meu lado, quando eu estou irritado. A vovó me dá banho, me põe na cama ao seu lado para eu sentir-me mais protegido e me abraça forte toda vez que eu choro. Foi ela quem aliviou a minha dor e medo quando tive que tomar as primeiras vacinas, ir ao pediatra e fazer o teste do pezinho. Pôs-me no seu colo e disse que tudo ficaria bem logo. A mamãe canta para mim e me chama de pequeno e “filhoto” o tempo todo.
A minha primeira semana... Sinto-me tão confortável aqui! É tão bom sentir o quanto sou amado e querido! A mamãe não pára de fotografar, tudo que acontece ela registra na maior felicidade. E não importa a hora! Até na madrugada os flashes disparam! Ela adora nos clicar na nossa intimidade, quando estou mamando ou quando estou descansando no ombro dela.
A Gigi, minha priminha, é uma graça! Sempre que me vê, quer me beijar e pede à mamãe que me ponha no chão para brincar com ela. Pena que ainda não posso... Já Lana, a cachorrinha mais linda, não se aproxima muito, mas sempre quer me proteger quando alguém estranho entra em casa. Ela senta ao lado da mamãe e rosna até a pessoa ir embora. E sempre que eu choro, ela vem timidamente ver o que está acontecendo. Sei que ela me ama, à distância...
Estou muito realizado e sei que a promessa da mamãe será cumprida, como de costume. Sei que posso confiar nela... Ela sempre susurra no meu ouvido que eu serei a criança mais feliz desse mundo e que fará de tudo para que o nosso mundo verde nunca acabe. Quero agradecer a todos que torceram, àqueles que canalizaram votos de felicidade e paz para nós dois. Também às pessoas que não puderam estar presente, mas que estavam conosco em pensamento.
Eu estava certo! A mamãe estava mesmo precisando muito de mim. Posso ver que a sua luz está muito mais forte e brilhante, que ela encontrou em mim a felicidade que estava realmente faltando. E eu precisava muito dela! Agora estamos juntos, para sempre, no nosso mundo verde.”

Anachin

quinta-feira, 26 de março de 2009

A partir de amanhã...


Anachin,

A partir de amanhã, as minhas fotos já não serão mais como essa. Você estará ao meu lado, segurando a minha mão.
A partir de amanhã, as minhas noites já não serão solitárias. O som da tua respiração me trará conforto e paz.
A partir de amanhã, nada terá mais sentido se você não estiver por perto...

Preciso te dizer que já é amado por muitos.
Amanhã, muitas pessoas estarão orando por você, pedindo a Deus que te abençoe e que te faça o ser mais feliz desse planeta! O sol estará brilhando, especialmente lindo amanhã, só para te receber. E a Lua... Ela estará ansiosa para poder aparecer e iluminar a sua primeira noite.

A partir de amanhã, o meu mundo já não será mais o mesmo...
Olha para essa foto. Consegue vê? Eu estava pedindo ao mar que trouxesse você.

Seja bem-vindo, meu filho!

quarta-feira, 25 de março de 2009

A sombra


Mais uma noite de sábado sozinha. Provavelmente a última que me sentirei assim por bastante tempo...
Todos dormiram cedo e eu, sem sono suficiente, permaneci na sala por algumas horas a mais num silêncio divino. As noites já foram o meu maior pesadelo, filho. Quando pequena, não conseguia sequer levantar da cama para ir ao banheiro ou beber um copo d’água. O seu avô, sempre muito paciente, ia ao encontro do meu desesperado chamado e sempre me tranquilizava. Imagino o alívio que ele sentiu desde o dia em que eu perdi o medo do escuro, mas também posso ter uma pequena idéia da falta que o meu grito faz a ele hoje. Deve ser muito triste para um pai pensar que o seu bebê cresceu e já não depende tanto dele. E, um dia, seu pequeno te traz um novo bebê... Coisa louca!
Havia apenas uma coisa que me divertia no escuro, que me fazia rir e não desejar que aquele momento acabasse. As sombras. Ficávamos eu e meus irmãos fazendo desenhos com as mãos nas paredes do quarto, imitando bichos e criando divertidas histórias. Cachorros, aves, cobras e até monstros terríveis! Tudo era engraçado e interessante. Qualquer desenho, por mais abstrato que fosse, tinha uma graça única! Crescemos e a brincadeira foi esquecida, perdeu todo o sentindo e já não possui mais toda aquela ingenuidade. As sombras sumiram e, se estão aqui, ninguém mais se importa com elas. Foram ignoradas.
Noite de sábado e eu sozinha, pensei na minha sombra como única companhia. Resolvi encontrá-la depois de anos que não a percebia. Fui até a parede e lá estava ela! Maior, com novas curvas, mais séria e sem tantos movimentos. Sem dúvida, eu estava diferente. E você também apareceu, filho. Ainda está dentro de mim, mas já sobressai no reflexo da minha alma. Linda, a sombra estava simplesmente linda! Não me contive e bati uma série de fotos. Precisava registrar esse momento para uma posterioridade não mais solitária.
A sombra, a minha mais secreta consciência, me dizia que você estava mais próximo do que eu podia imaginar. Alguns minutos admirando a representação da minha essência na parede e logo constatei que mais bela nunca fui. Jamais possuí algo tão valioso dentro de mim, algo tão majestoso e perfeito. O formato espetacular do meu corpo traduz a sua graciosidade.
Hoje não tenho mais medo do escuro. Sei que só assim posso ter a companhia do reflexo mais belo e familiar. Penso também nas lindas sombras que se formarão da imagem de nós dois, abraçados. E logo estarei criando as figuras mais engraçadas na parede do quarto, todas as noites, apenas para diverti-lo.

sábado, 21 de março de 2009

Os surrealistas

Estava navegando pelo blog de uma amiga e vi a seguinte frase:
“O pessimista queixa-se do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas.”
E um seguidor do blog respondeu:
“Fiquemos com os surrealistas: queiramos o impossível!”
Surrealismo... Uma idéia gorda e cheia de vácuos. As novelas, os filmes, o teatro, os livros, todos eles nos inspiram surrealismo e assim sofremos com o desejo de algo realmente impossível. O desejo pelo todo, a busca sedenta para ocupar o nada. O homem queixa-se do vento, espera que ele mude e também ajusta as velas. Não posso crer que exista um único ser humano no planeta que possua apenas uma dessas características. Somos o surreal, realizamos de tudo para conquistarmos o que queremos. E acontece também de nos anularmos, à espera de um milagre. O surreal tornou-se o impossível desde o dia que decidimos esquecer a fé. Concretizou-se no possível no momento que ousamos e quebramos limites antes considerados divinos. Uma gangorra, um pêndulo extremamente acelerado, nem podemos mais medir a velocidade da crença de poucos e desilusão de muitos. Ou seria o contrário? Ou, até numa teoria ainda mais polêmica, nos tornamos o crente e o descrente a depender da situação. Não há fidelidade e nem linha de raciocínio que dure mais do que um estado de espírito. As pessoas parecem procurar apenas aquilo que as tornam mais felizes.
Você já foi algo surreal, filho. Porque já alcancei o ceticismo por um longo período. Mesmo vivendo, respirando e sorrindo, tinha a certeza de que tudo que sempre desejei seria impossível de alcançar. E de repente a vida invadiu o meu útero e fez de lá o início de um novo universo. A renovação do meu cansado ser, em proporções ainda muito maiores! Um buraco negro impiedoso se abriu sob os meus pés e engoliu, em questão de segundos, tudo que existia à minha volta. E sua estrela, muito maior do que o nosso lindo Sol, explodiu com toda a força e recriou a vida mais verde do que antes.
Você é poderoso, Anachin! Sua aura cega os cruéis, covardes e egoístas. Você transformou em pó pensamentos negativos que ainda existiam dentro de mim. E hoje me sinto tão mais leve e tranquila, mesmo depois de ter sido surpreendida pelo destino novamente. Mesmo depois de ter me queixado da direção do vento...
Eu nasci surrealista e tornei-me otimista ainda adolescente. Depois optei por ser realista e por fim caí na desgraça pessimista. E todo o ciclo está se repetindo, pois me sinto renovada, renascida, surrealista. E tenho a certeza de que esse circuito nunca pára. Só precisamos adquirir a virtude da paciência para esperar que as fases se concluam. Você, filho, ainda é o surreal brotando dentro de mim e em alguns dias será o realismo florescido. O vento sempre caminhando na perfeita direção.
E confesso que concordo com seu amigo, minha querida amiga Evelyn! Fiquemos com os surrealistas...

quinta-feira, 19 de março de 2009

O recomeço

O telefone permaneceu mudo por quase sete meses. Agora me sinto até estranha ao atender uma ligação, como se não soubesse o que dizer para a pessoa do outro lado da linha. “Alô? Oi, quanto tempo!”
Algumas vezes, antigos amigos não reconhecem a minha voz. Acho que nem eu mesma poderia reconhecer algo que não ouço mais. Tenho passado tanto tempo calada, alguns momentos apenas escrevendo ou pensando sobre tudo, que a fala se tornou o meio de comunicação mais incomum e primitivo. Eu já gostei tanto de ouvir os meus próprios discursos sobre algum assunto abordado, longos e confusos discursos que persuadiam qualquer um. Hoje, cansada e descrente das minhas loucas filosofias, percebo que falei mais do que devia e ouvi menos do que precisava. Difícil admitir, mas tudo que me tem acontecido trouxe a certeza de que não enxergava nem um palmo diante do meu nariz e, ainda assim, acreditava que possuía olhos de lince.
O telefone não pára mais, todos querem saber detalhes sobre sua chegada. Todos perguntam sobre como me sinto, e algumas vezes questionam coisas que eu não poderia nem responder. Agora, a minha voz já não soa mais com tanta petulância e insolência. Já não possuo falas tão compridas...
Muita teoria e pouca prática, assim me construí e vivi antes de sua existência. Não consigo compreender como tanta imaturidade pôde ser capaz de permanecer todo esse tempo, sem ser abalada. Acreditei nas fórmulas, levei a sério tudo que li a ponto de ignorar as entrelinhas. Desejei loucamente o conhecimento e não percebi que não o alcançaria sem aceitar a vivência alheia. Nada me convencia, eu era a auto-suficiência em carne e osso. Talvez fosse uma fuga, a maneira mais fácil de não encarar as verdades que aqui sempre estiveram.
E você veio de repente, filho, para me mostrar que eu de nada sabia. Que eu perdi muito tempo acreditando que era uma pessoa incrível e não enxerguei a minha covardia e descaso com a vida. Uma pessoa sem compromissos, cheia de medos e inseguranças. Uma força forçada, um sorriso sintético e uma tranquilidade arranjada. E agora você apareceu para desfazer esse protótipo falido.
Sempre vivi numa bolha, protegida pelo amor e bondade dos seus avós, e possuía um discurso ridículo de que o sofrimento engrandece o homem. Enquanto pessoas morriam de fome, cresciam em meio à violência e eram ignorados pela cultura, eu tinha mais do que o necessário e ainda assim acreditava que era castigada pela vida.
Ver apenas o que acredita, e não acreditar no que vê. O erro cometido que foi fruto da junção de todos os pecados capitais. Foi bom enquanto durou, mas hoje sinto o peso da minha escolha. Acredite, filho! Escrevo para você na tentativa de te fazer errar menos e viver mais. Sei que irá, inevitavelmente, comenter os seus próprios equívocos, mas não posso perder a chance de te fazer entender o que não é válido seguir como exemplo.
Em uma semana, provavelmente, você estará entrando pela porta da nossa casa e mudará todo o ritmo da minha vida, mais uma vez. Desculpa por desfazer, sem meias-palavras, da imagem de perfeição que os filhos procuram sempre ter dos pais. De certa maneira, me revirar pelo avesso só me dá forças para recomeçar do zero novamente. E desse meu jeito prometo tentar te fazer a criança mais feliz de todo o mundo.

sábado, 14 de março de 2009

The Pilot


"You are the pilot
and the voice of the story.
You are the one who creates and tells
the stories for those who could not be there.
You are unable to be comforted but wish to comfort others.
There is a great something missing in your life.
Do not forget that you are much loved.
Let your sorrow be comforted."

Obrigada, Tammy!



quinta-feira, 12 de março de 2009

A sua escolha

Fico sempre muito curiosa quando penso sobre suas prováveis e improváveis reações ao primeiro contato com este blog. Nossas vidas, histórias que normalmente permaneceriam secretas, meus mais íntimos sentimentos sobre tudo e todos, contos devassados com uma única permissão: a minha. Cada pedacinho seu, filho, se reproduz através dos caminhos que eu escolhi e das opções, certas e erradas, que continuo fazendo. A responsabilidade me deu um ultimato meio tardio, penso, mas necessário. Outro dia estava analisando as minhas atitudes passadas e admito que, por bastante tempo, fui omissa e covarde com o meu futuro. Escondi-me atrás da imagem dos meus pais, me acomodei a condições de vida que, na verdade, não eram minhas, mas da minha família. Deixei o tempo passar e hoje sinto o peso do castigo. Por mais que ainda seja jovem, com um longo tempo pela frente, tenho consciência de que o caminho poderia ter sido fácil quando as oportunidades me estenderam a mão, e agora eu terei de correr no rastro da poeira que deixaram para tentar alcançá-las novamente. Tremo por dentro só em pensar que agora terei um filho que merece tudo de melhor neste mundo, e que sozinha não tenho a menor condição de criá-lo. No que se resume então uma pessoa como eu, sem condições moral, social, financeira e profissional? Um nada! Na real, a vontade que tenho é de fugir, correr o mais rápido que puder até desaparecer das vistas alheias, virar história que logo seria esquecida. Assim tudo seria mais fácil, bem mais fácil do que encarar a vida como uma corajosa idiota. Os conflitos que enfrento, dividida entre razão e emoção, só me fazem sentir mais confusa. A única opção é manter a calma, resgatar a tranquilidade e esperar pelo dia seguinte.
Imagino você lendo este blog no futuro próximo e tirando as suas próprias conclusões sobre mim, sobre tudo que envolve a sua existência. Conhecendo, através das minhas tortas palavras, pessoas que não farão parte da sua vida e outras que estarão sempre presente. Sentindo, vivendo e talvez até abominando fatos passados, simplesmente porque estão escritos e jamais poderão ser apagados. Escritos com as minhas palavras, filho. Uma história de vários lados, mas numa única versão. E, no final, todos os acontecimentos desde muitos anos atrás levam a linha do mundo até você.
Duas pessoas já tentaram ler a minha mão, mas ambas nunca souberam me dizer o que viam exatamente. O primeiro me contou que os meus traços são confusos, mas que podia ver que a minha força e concentração mental poderiam ser capazes de quebras até copos de cristal. Além disso, que a minha linha da vida teria uma grande e grave interrupção, mas que logo eu me refaria e continuaria o meu caminho. O segundo nada conseguiu decifrar, desistiu e mudou de assunto. Ele também me disse que as minhas linhas são muito confusas, que não são claras. Duas mulheres garantiram que você era uma menina. Nunca tinham errado antes com testes supersticiosos, mas dessa vez até o médico se confundiu. Todos se equivocaram. Inclusive eu, que sonhei com uma linda garotinha nos meus braços e tinha a certeza de que era você. Embora sempre tenha sentido que esperava por um menino, eu sonhei que viria minha Agatha. Veja, meu filho, temos destinos cruzados. Vidas indefinidas, mistérios que rodam nossas almas. Futuros embassados, imagens que se tornam desfocadas pela máquina do tempo.
Há chances para que me considere uma louca, uma pobre coitada sem rumo. Há também probabilidades para que seja a melhor pessoa a compreender de fato as minhas palavras. Um dia, você escolherá seguir um caminho diferente ao meu ou continuar os meus incoerentes passos. Logo decidirá sustentar as minhas incompreensíveis idéias ou então se desfazer de todas elas. Sim, corremos o risco de sermos dois estranhos, por mais que isso seja uma remota possibilidade.
Sei que meus pensamentos parecem racionais demais, às vezes assustadoramente práticos e de lógicas incomuns. Mas quem eu seria se não me construísse dessa maneira? A sua mãe, com certeza que não...

terça-feira, 10 de março de 2009

Há seis meses...

(Texto escrito em 08/03/2009)
Uma leve cólica me acordou hoje, avisando que você está mais próximo a cada dia. A barriga já aponta para baixo e fico a pensar se você vai antecipar o nosso encontro. Sua avó já se prepara para uma possível surpresa, a ansiedade toma conta de todos a nossa volta.
Como de costume, acordei às seis e meia da manhã e dei uma volta na varanda da casa. Clima de um provável domingo comum, sol, piscina e feijoada, mas logo percebi que, nesta data, há seis meses, me despedi de Londres e perdi alguns dos meus mais queridos sonhos. Voltei para a cama e imagens dos meus últimos momentos antes do vôo e os primeiros após a minha chegada a Salvador vieram na minha cabeça. A sofrida arrumação das malas, eu não sabia o que deixar para trás. O último banho, a última vez que deitei na cama ao lado do seu pai, as lágrimas que o chatearam e o fizeram dizer coisas que me machucaram muito num momento que eu só precisava de carinho, de um abraço apertado. O alarme que me despertou na madrugada, avisando que a hora de ir tinha finalmente chegado. O táxi esperando na porta do prédio, seu pai desceu com as malas e eu permaneci imóvel, sentada na cama; então ele subiu para me buscar e me conduziu para dentro do carro. O caminho; estávamos calados e eu deitada no colo dele, só observava o céu escuro, as luzes da cidade que tanto amo, os prédios, as casas, o silêncio que dominava tudo. Seu pai afagava os meus cabelos e quando chegamos ao aeroporto, um aperto de mão me avisou que a cada segundo se aproximava mais o meu maior pesadelo. O check in, uma das malas com excesso de peso, seu pai nervoso abriu as bagagens e reorganizou rapidamente a arrumação. Eu, nesse momento, já não tinha ação para mais nada. Uma volta rápida até o saguão e então a chamada. Não tive tempo de me despedir e mesmo que tivesse um dia inteiro, não seria suficiente. O último abraço, mais lágrimas que ardiam os meus olhos e embassavam as minhas vistas, o receio de nunca mais tocar o rosto do seu pai, de não poder dizer o quanto ele era importante para mim. As nossas últimas palavras, os pedidos, as declarações. Eu não queria partir, mas não tinha mais volta. E então o pior momento, quando perdemos o contato visual e tudo mais teve de ser dito através de mensagens de celular, antes da decolagem. Eu estava tão paralisada de medo, de dor, me sentindo tão só...
O encontro com seu avô, a vergonha quase não me deixou dar um passo em sua direção. Ele estava lá, ansioso, saudoso e assustado, esperando para me dar o abraço mais apertado do mundo. Eu quis chorar, mas engoli o desabafo e forcei um daqueles sorrisos falsos. A chegada em casa, eu ainda do estacionamento avistei a sua avó sentada na varanda, séria e não menos assustada, me observando descer o caminho até a porta. Eu queria sumir, entrar num buraco qualquer e me esconder. Tomei um banho, desfiz as malas, troquei poucas palavras com todos, tentei ligar para o seu pai e não consegui, e então me recolhi. Procurei a minha tão esperada cama, para finalmente desabar em choro. Passaram-se seis meses desde esse longo dia e eu me sinto a mesma, nada mudou. A dor, a vergonha, a saudade de tudo que deixei para trás, o medo da possível perda que hoje se tornou um fato. Tudo isso continua presente e todo esse tempo so serviu para reforçar esses sentimentos. A sensação de que essa grave ferida nunca vai cicatrizar é mais forte a cada movimento de respiração.
Todos acham que o tempo passou muito rápido, mas só eu sei o quanto me custa cada manhã que acordo e percebo que não estou em Londres, cada noite que deito e trago um choro mudo. Só o meu travesseiro pode testemunhar os meus anseios, todas as noites. Só eu sei o quanto dói enxergar que os meus planos foram desmontados, que a idéia de “vida perfeita”, tão simples, não foi possível de realizar. E quanto mais as pessoas tentam me consolar, dizendo que logo tudo ficará bem, mais eu me sinto só, ao perceber que jamais conseguirei ser realmente ouvida e entendida.
Seis meses, filho. Em breve essas lembranças farão aniversário de um ano e você terá seis meses. E logo você completará um ano e a ferida dessas lembranças continuará sangrando, diariamente. Preciso que você saiba, seguramente, que sou a criatura mais feliz do mundo por ser a sua mãe, mas que como qualquer ser-humano, possuo minhas dores e traumas pessoais. A sua existência se faz necessária e mais do que adequada neste momento da minha vida e tenho a certeza de que, sem você, tudo seria muito mais difícil e sofrido. Hoje fui parabenizada pelo Dia Internacional da Mulher, mas apenas me sinto como a sua mãe.
Final do dia, a barriga já possui um diferente formato e está cada vez mais baixa. A leve cólica permanece e tudo que desejo é a minha maravilhosa e confiável cama. O cansaço toma conta da minha mente, os meus olhos pesam e todos os meus sentidos já se confudem. Finalmente, por algumas poucas e silenciosas horas, terei a chance de realizar em sonhos todos os meus antigos desejos...

quinta-feira, 5 de março de 2009

As fantasias

Depois de tantos meses, ainda considero o meu quarto o único refúgio totalmente seguro. Se é que isso é possível. Quando a mente não está totalmente a seu favor, não há um local no mundo que seja de absoluta paz e tranquilidade. De qualquer forma, o meu quarto continua sendo o meu mais valioso espaço.
A tarde de ontem foi extremamente quente e abafada. Senti-me sonolenta e pesada, conseqüência da gravidez, acredito. Embora sempre tenha sido sonolenta aos dias e desperta às noites... Enfim, ontem só conseguia pensar na minha cama, no filme da Sessão da Tarde, num pedaço enorme de melancia antes de um copo maravilhoso de Coca-cola e no ventilador, girando bem na minha frente. E como toda e qualquer mulher grávida, cedi aos meus desejos como num passe de mágica!
Uma cena do filme, em especial, chamou-me bem a atenção. Na sala de aula, o professor de literatura discursava sobre fantasia. Claro que uma certa obra de Shakespeare foi citada como o exemplo mais clássico e romântico da situação, mas o que ele queria mesmo abordar era a questão do uso da fantasia para a conquista de algo desejado. Fiquei pensativa o resto do dia e a noite também, mais ainda. Filho, esse momento de espera faz-me refletir todo o tempo sobre a pessoa que eu era, que me tornei e que provavelmente serei em alguns anos, até o fim dos meus dias. A única coisa que tenho feito em todos esses meses é pensar. Desmonto minha natureza e refaço meu raciocínio a todo momento. Nem quando criança brinquei tanto de quebra-cabeça...
Todas as fantasias que já vesti, vieram ao meu encontro como num baile de carnaval único e assutador. Mais parecia festa de Halloween! As músicas, as luzes, as danças, as gargalhadas das máscaras que me assombraram por todos esses anos de tentativa de desintoxicação psicológica. Não posso esquecer-me de algumas fantasias românticas, outras infantis ou até mesmo as mais ingênuas. Essas fizeram alguns momentos da festa, mágicos.
Lembrei das fantasias que usei para encenar nas comemorações da pré-escola. Ou daquelas que encarnei com emoção nas pecas de teatro do Vieira, mesmo essas nunca sendo personagens principais. O concurso de poesias, subi ao palco como uma verdadeira poeta. A minha “grandiosa obra” foi publicada no livro anual do colégio, como prêmio, e fui convidada a recitá-la para um auditório repleto de pais e familiares orgulhosos. Outras fantasias eram submissas e inseguras, quando me calava diante dos colegas por vergonha de ter o meu nome exposto no jornalzinho mensal, ou até mesmo em gincanas ou trabalhos extracurriculares. Uma vez, aos 14 anos, fiz um lindo poema sobre o crepúsculo e pedi a uma amiga que assinasse por mim, para que o texto fosse publicado na escola. Realmente um lindo poema...
As paqueras. Perdi a conta de quantas vezes fui alguém que não reconhecia em mim, só para impressionar garotos imaturos e vazios. Os olhos se enganam. A beleza cega. Ao contrário do que dizem os cientistas, a mente não processa as informações tão rápido quanto o coração sente. E ele normalmente comete equívocos, filho.
Comparando todas elas, a minha fantasia mais perigosa atuava com a compreensão e fácil aceitação de todos os fatos. Tudo era normal, qualquer coisa era perdoável. Só não valia perder a alegria, o sorriso. Afinal, é isso que todos esperam sempre de você. Uma pessoa madura, segura, feliz, realizada e moderna. Cada mágoa, cada traição, as revoltas por sentir-me enganada, nada disso era justificativa forte o suficiente para um desequilíbrio emocional momentâneo. Lá eu estava, sempre desempenhando esse papel ridículo e medíocre, a mulher mais compreensível e doce do mundo. Chorando por dentro, mas sorrindo por fora. Coração sangrando e comportamento digno de realeza. E eu estava completamente errada! Muitas pessoas se aproveitaram dessa fantasia perfeita. Eu me aproveitei também da minha própria máscara e só encontrei a dor e decepção mais na frente. A vida se encarregou pessoalmente de me desmascarar por cada vez que tentei me esconder dela, por trás de um falso e forçado sorriso. Desmoronei, sim. Achei por um momento que nunca mais fosse levantar. E algum tempo depois, lá eu estava novamente com uma fantasia inédita, porém versão mais atualizada dos meus tempos de idiotice completa. Alienação, pode-se afirmar. Até hoje me questiono os motivos que me levaram a tantos disfarces. Nada alcancei, apenas me machuquei. Tudo que consegui foi ouvir, em diferentes textos, que sou a pessoa mais pura e doce que já conheceram, e que por isso não merecia ser mais magoada. Minhas fantasias sempre foram dignas demais, e por isso sempre receberam a “sinceridade” alheia em troca. Ninguém se sentiu suficientemente elevado ao meu nível, depois de tanto terem mentido e forjado alguma característica nobre. Todos souberam aproveitar a novidade do “ser bom e honesto” em mim para depois se julgarem indignos da minha preciosa companhia. Ninguém perguntou às minhas fantasias o que eu queria, o que eu achava e desejava. Ou o que não desejava. Os meus compreensivos sorrisos subtendiam maturidade excessiva.
Processo vicioso, impossível de ser desfeito depois que se passa a ser parte integrante dele. Hoje visto a fantasia de mãe. Procurei esquecer a pessoa e mulher que habitavam em mim. Eu já me dividi em três e agora me vejo em apenas uma. Há seis meses, a fantasia do compreensivo sorriso engoliu os meus anseios e resumiu a minha existência através de uma fantasia maternal incompleta. Venho tentando consertar mais este erro durante todo esse tempo. Complicado, confesso. Extremamente doloroso e complicado, porém necessário.
As fantasias nos dão coragem para realizar algo considerado inadequado por nossas próprias leis pessoais. Uma máscara facilmente posta pode tornar-se difícil de ser retirada. Às vezes, fingir ser uma outra pessoa parece a atitude mais simples e coerente, mas na verdade é a opção mais perigosa, o caminho mais tortuoso.
A minha cama, definitivamente, estava especialmente deliciosa ontem. Desconfio de que ela vestiu o disfarce de esconderijo e me fez sentir a mulher mais protegida, no mais absoluto conforto. Adormeci, e esta manhã percebi que algumas das minhas fantasias já estavam aposentadas, penduradas nos cabides do armário do tempo.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um dia de cada vez, uma vez a cada dia

Um domingo atípico. Casa vazia, ausência de música, bebidas e festival de tira-gostos. Poderia ter sido um final de semana como todos os outros, com bastante gente transitando da piscina para o quiosque, sua avó na cozinha todo o dia, preparando comida para um batalhão, seu avô ouvindo o som no volume máximo até estourar as caixas, enfim... Nada disso aconteceu.
O dia estava muito quente, abafado, e então decidi jogar-me na piscina. Sozinha, apenas um gelado copo de Coca-cola me acompanhava. Esse eu tenho a plena certeza de que nunca me abandonará... Mergulhei, a água estava simplesmente deliciosa. Senti-me tão bem ali, sorri. Protegida, feliz. Imaginei o nosso primeiro mergulho juntos. Quando pequena, eu costumava correr para o mar ainda com roupa. Fugia para a primeira poca d’água. Não tinha paciência em esperar para ter aquele sempre maravilhoso encontro com as ondas. Acredito que com você não será diferente...
Então ali estava, na piscina, e comecei a experimentar a leveza que sentia. Criei passos, vagarosamente. Movi os braços e as pernas, o quadril. Ensaiei movimentos das artes marciais, imitando cenas de filmes que tinha assistido antes. Acompanhei as ondas que formei com as mãos e observei a direção que os meus longos fios de cabelo seguiam, em mudança constante. Experimentei o silêncio, submersa. Fiz massagem na barriga para que você sentisse as vibrações. Pensei em nós dois. Pensei em você, meu filho. Olhando em volta percebi o que estava acontecendo. Definitivamente, o paraíso te aguarda aqui, ao meu lado.
À noite, sentei-me para assistir o Fantástico. Eu, um pedaço do bolo de chocolate que a sua avó fez (maravilhoso!), um outro geladíssimo copo de Coca-cola e Lana, como sempre ao meu lado até o fim de todas as noites. Vi uma reportagem sobre a guerra travada entre o Vice-presidente José Alencar e o câncer. Há 11 anos, sem trégua. Filho, eu nunca passei por graves problemas de saúde, mas tenho a certeza de que não há drama maior do que a falta dela. É incrível a coragem daquele homem! E a clareza para encarar os fatos é, sem dúvida, invejável! A tranquilidade, a sobriedade. Em seu discurso, ele diz que não é a coragem que o faz enfrentar a doença, mas sim a necessidade. Simplesmente é necessário! E não se deve temer a morte, pois ela faz parte do ciclo da vida. Que cada dia que lhe for dado, será aproveitado. E finalizou agradecendo a Deus.
Respirei fundo, pensei nos seus avós quando idosos, pensei em mim no fim de tudo isso. Pensei em você, provavelmente eu não estarei aqui para te abraçar. Quis chorar, uma tristeza precoce invadiu o meu peito e me fez ter a certeza de que não estou preparada para tal despedida. Sempre encarei a morte como algo realmente natural, mas confesso que acreditava na eternidade da nossa família. Hoje, certa de que isso não existe, percebo que toda a minha infantil e doce ilusão não passava da não aceitação dos fatos. Deu uma vontade louca de fugir, me esconder desse futuro cruel e pesado, feio. Desconhecido...
Fugir... Correr do mundo até ultrapassar suas barreiras imaginárias. Fingir que não existo, debaixo das cobertas talvez, até que a vida esqueça que estou aqui. Ser invisível para a morte. Inexistente para a tristeza. Nula ao sofrimento. Mas daí vem o nobre pensamento do nosso Vice-presidente, sobre encarar a morte para viver a vida, viver a vida para encarar a morte. Respirar todos os processos, todo o ciclo. E senti-me tão pequena! Covarde e fraca. Como me odeio sempre que desejo essa fuga! Uma corrida contra o tempo que, por um momento, faz tanto sentindo. Mas que depois se torna incoerente e estúpida.
Tudo bem, desisto. Entrego-me à realidade. Nada de complexo de Peter Pan, nunca mais! A Terra-Do-Nunca não existe, ou pelo menos eu ainda não tenho conhecimento desse mais que valioso mapa. Viver um dia de cada vez, como se fosse o último. Sem exagerar no Carpe Diem, claro...
E no meio de todo esse melodrama de novela mexicana, agarro o desfecho da história como a vilã mais sedenta por uma resposta aos meus violentos traumas. O segredo é experimentar. Não dar espaço às frustrações. Não se deixar enganar por futilidades e banalidades que só tomam o seu precioso tempo. Dividir o prazer da vida com as pessoas que ama, e que te amam. Agradecer aos elementos da natureza, pedir permissão diária para utilizá-los a seu favor. E depois de muito treino, conseguir ser mais veloz do que a própria consciência. Conseguir sorrir para o dia assim que abrir os olhos, antes mesmo de pensar, pelo simples fato de ter acordado mais uma vez. Em menos de um mês terei o maior motivo para acordar, todos os dias... O meu Sol, Anachin.
Despertar amanhã mais contente do que hoje. E assim por diante. Um exercício sem fim, para o resto dos meus dias...
Um dia de cada vez, uma vez a cada dia.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Um mês

(Texto escrito no dia 25/02/2009)
Um mês, a partir de hoje, para a primeira data prevista. Um sonho que se torna mais real a cada dia, um medo que me domina quando penso que você está mesmo chegando. Quase tudo pronto, a expectativa toma conta de todos a nossa volta. Ondas se formam na minha barriga. E você se movendo, procurando uma posição mais confortável, mais espaço, se preparando para furar as primeiras barreiras da vida.
Eu passei uma gravidez inteira pensando em coisas que gostaria de te falar, mas as palavras não vieram. Achei que seria mais fácil, tinha planejado durante toda a minha vida uma pauta de informações, idéias e conselhos que julguei interessantes e fundamentais para que você fosse uma pessoa brilhante. Na hora H, deu branco! Nada lembrei, não consegui recordar nem uma frase do lindo discurso que tinha preparado. Entrei em desespero, achei por um momento que seria tudo mais difícil se eu não conseguisse me comunicar com você ainda na minha barriga. E então, com o tempo, percebi que nunca deixamos de conversar. Desde que você foi gerado, nossa relação se tornou possível. Na verdade, sinto que esse elo já existia mesmo antes da minha própria manifestação em carne e osso nesta vida. Tudo que eu aprendi, todas as minhas realizações, já foram passadas para você como heranças espiritual e genética.
Ontem foi um dia de reflexão. Eu estava tão introspectiva que quase não consegui levantar da cama. Senti-me estranha, pesada, desconfortável e deslocada na minha própria casa. Não me senti de lugar nenhum. Olhava em volta e não via a minha família e amigos. Fugi para a piscina, depois me joguei no chuveiro por horas. Nada mudou. A sensação continuava forte e a cada minuto que passava se transformava num incômodo maior ainda. Quis chorar, e quando recebi uma ligação de Ana, lá de Londres, não contive as lágrimas. Despejei toda a minha angústia e dor. É incrível como a Ana tem o poder de me fazer falar mais do que o normal. Com ela, eu consigo ser ainda mais sincera. Só a Ana sabe o que realmente sinto, o que penso e como vejo o mundo. Ela estava no lugar certo e na hora certa, quando por uma única vez, num momento de “lucidez”, eu consegui desmascarar o meu verdadeiro Eu. Tudo é muito mais complexo do que esses textos, filho. Eu realmente espero que você seja como a Ana. Gostaria muito de poder dividir o meu mundo com você...
A Ana Paula carioca. Uma amiga incomum, extremamente especial. Prefiro falar sobre ela um outro dia, merece mais destaque...
Após a ligação, me senti muito mais leve. Consegui enxergar familiaridade em cada canto da casa. Em cada riso estampado. Na Gigi. Acalmei, respirei melhor. Ensaiei uma conversa sensata com algumas pessoas e então a tranqüilidade voltou a imperar. E tudo foi retornando ao seu devido lugar, apesar de ainda não consegui encontrar o meu próprio espaço aqui. O seu espaço, filho, infelizmente ainda não posso garantir em lugar nenhum. Faço-te uma proposta, uma promessa. Vamos achar e conquistar a terra prometida juntos, ok?
Hoje o carnaval se despede, deixa saudades e promete um novo encontro em menos de um ano. Hoje, a escola de samba Salgueiro comemora como vencedor no Rio de Janeiro. E aqui em Salvador, por mais que a festa tenha se findado no resto do país, a impressão que nos passa é a de que as comemorações continuam e jamais se cessarão. Hoje, dia 25 de fevereiro de 2009, inciou-se a contagem regressiva para nosso tão esperado e grande encontro.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Não há fotógrafos...

Eu não podia medir a sensação antes, mas agora vendo os trios e a multidão através da TV, a alegria estampada em cores nos abadás, as músicas mais dançantes, a luz que brilha em toda a avenida, o arrepio inexplicável que contagia o povo, a energia que emana de cada canto da cidade... A indescritível emoção que inunda os circuitos do carnaval de Salvador. Assitir a tudo isso por uma tela quando estou apenas a 40 minutos da maior festa popular do planeta, nossa! Eu não podia recordar o quanto doía não estar lá.
Eu nasci no meio disso, filho! Eu fui contemplada por ter pais maravilhosos que só queriam me proporcionar o melhor, por nascer numa época em que a festa ainda podia ser curtida por pessoas de todas as idades e classes sociais, quando o carnaval ainda era dos baianos. Eu fui criada nas ruas vestida com diversas fantasias, pude curtir o som do Chiclete, pulando sem preocupações no meio da Avenida Sete, ainda criança. E já adulta, ainda tive a oportunidade de seguir o Camaleão do lado de fora do bloco, segurando firme a corda por todo o percurso. Vivi o InterAsa... Segui os trios independentes ao maravilhoso som de Armandinho e Luis Caldas. Nada pode hoje ser melhor do que aqueles tempos de carnaval... Eu, minha família, uma festa genuinamente soteropolitana!
Hoje estou sentada na frente da TV, apreciando a alegria do povo e esperando por você, Anachin. Vejo jovens começando a vida, sem grandes preocupações e com aquele sorriso típico de quem ainda acredita. Um sorriso que eu tinha há quatro anos e perdi, recuperei com muito sacrifício e me foi arrancado novamente, sem o menor pudor. E o mais incrível é que ainda sou muito jovem...
Vejo através da televisão grupos fazendo pose para fotos. Seja um profissional, um desconhecido ou até mesmo um amigo, sempre há alguém de plantão para registrar esse momento tão incrível e inesquecível. Episódios únicos que serão congelados para toda uma eternidade.
E hoje então me dei conta de que não temos muitas fotos, não há quem registre... Ainda bem que já existe o disparo automático após dez segundos! As poucas capturadas são frutos dessa maravilhosa tecnologia, feita para viajantes solitários. Hoje pude realizar que estou há quase seis meses dentro da minha casa e as únicas pessoas que vejo diariamente são os meus pais, minha sobrinha Gigi e os três funcionários. Além dos pássaros, micos e sapos, claro... Não há um fotógrafo! Seus avós não se tocam dessa minha necessidade e a Gigi só tem dois anos.
O tempo passou voando, a semana corre numa rapidez que eu não tinha a noção antes. Já faz mais tempo que estou aqui, sozinha, esperando por você, do que o tempo que vivi com o seu pai. E posso te dizer que todos esses meses foram superdimensionados na minha cabeça. A verdade é que tenho a impressão de sempre ter estado no meu quarto, na minha cama. De que tudo não passou de um enorme sonho.
Tantas coisas aconteceram, meu amor! Tantas outras não puderam se concretizar...
Faltou uma pessoa aqui que poderia registrar todos esses momentos muito melhor do que eu, muito melhor do que qualquer um!
Preciso te dizer o quanto você fez uma barriga linda! Como estou realmente linda, e é uma pena que tudo isso esteja acontecendo, baby! Preciso também dizer o quanto me dói ensaiar fotos de nós dois, sozinha, quantas delas já foram deletadas! Como me constrange pedir a algum desconhecido que fotografe a minha barriga na praia, e depois ter que explicar, inevitavelmente, que não há uma companhia, que não há um companheiro...
A vergonha de posicionar uma máquina e sair correndo, fingir que não percebo nada e fazer uma pose, escolher um sorriso falso, esperar o disparo do flashe... Nesse momento sempre realizo que nunca me senti tão só. Nossa, filho! Mulher nenhuma merece passar por isso! Então me escondo em algum canto da casa onde não haja perigo de flagras, e inicio uma sessão de clicks solitários. Não pode imaginar a tristeza que me toma sempre que penso que a ocasião merece uma boa foto, mas não há fotógrafos...
Aprendi a respirar suavemente, compassadamente, para que essa dor não tome conta de mim. E percebi que estou praticando esse exercício há quase seis meses, e por isso não sinto mais os meus pulmões.
Assisto na TV uma alegria incessante e coletiva. E tudo que penso quando assisto é ter-te nos meus braços pela primeira vez, para poder usufruir de uma sensação melhor ainda. Uma emoção exclusiva. Um disparo automático, único e eterno na minha memória...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Por favor, não solte a minha mão


Eu irei guiar os seus passos por alguns dos seus preciosos e primeiros anos. Estaremos de mãos dadas até que seus pés se firmem e você possa caminhar seguramente, sem tropeços. Só te peço, filho, que quando estiver pronto para andar sozinho, ainda assim não solte a minha mão. A essa altura eu já estarei acostumada com a sua companhia, pois até já sinto seu corpo como extensão do meu. Peço-te que não caminhe depressa, que não me deixe para trás, pois estarei um pouco mais cansada e não poderei correr para te acompanhar. Imploro que não se esqueça dos meus tortos passos, dos meus desordenados, porém sinceros passos. Não solte a minha mão. Estarei contando com a sua ajuda num futuro não muito próximo, contudo certo. Preciso que seja o meu guia quando o caminho já não parecer tão longo. Desejo, mais do que tudo, que seja o meu conforto e a minha coragem por toda a minha vida...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

High Tide Or Low Tide


Engraçado como o tempo passa e as minhas lembranças se tornam ainda mais próximas e claras.
Tudo parece que aconteceu ontem, desde o dia em que eu ainda estava fechando as malas e partindo para um mundo completamente desejado e desconhecido. Os flashes são automáticos e associados, as imagens coloridas e nítidas. As sensações permanecem no meu corpo como arrepios, ânsia de vômito, calafrios...
Na sexta-feira, eu precisei ir a Salvador. Então resolvi ter uma “viagem” agradável, embalada ao som de Jack Johnson, Ben Harper e Donovan Frankenreiter. Grandes companheiros de muitas histórias, antes mesmo de Londres. De repente, lembranças de Amsterdam, imagens de uma trip deliciosa em 2007. Éramos sete, mas parecíamos um grupo de excursão completo! Filho, um dia você irá encontrar em algumas pessoas o verdadeiro significado de “boa companhia”. E esse grupo era exatamente o que eu procurei a minha vida inteira. Bastava-me... Eu nunca tive melhor sensação sobre estar com as pessoas certas. Fosse na maré baixa ou alta, lá sempre estavam todos eles. O ambiente louco e delinquente da Holanda só acentuou a perfeição dessa fase que vivi.
Quando saí do Brasil, a Globo transmitia uma novela no horário nobre chamada “Páginas da Vida”. Um dos cenários inicias foi Amsterdam. Os personagens eram dois jovens, um casal de namorados apaixonado. A garota engravidou inesperadamente e a vida deles se tornou um inferno. O rapaz a deixou e ela procurou no Brasil o apoio que precisava, a família. Não houve mais contato entre eles e a garota morreu após um parto induzido com quase nove meses de gestação, causado por um acidente de carro. O casal de gêmeos sobreviveu... O pai continuou distante e sem notícias do acontecido, por anos... Quando estava prestes a viajar, sua avó me pediu que tomasse cuidado e citou essa novela como exemplo. Eu nunca imaginei que esse quadro fosse parecer tão real para mim, em alguns aspectos...
Confesso que ainda me sinto como uma das trezentas e poucas páginas de um romance retórico, desejada, lida e depois virada sem maiores cerimônias. Uma parte que serviu de guia e depois esquecida. Um pedaço da história que foi censurado. Uma mera folha amassada...
Daí a minha mente retorna à grandiosa viagem para Amsterdam, como proteção de uma memória exausta e descrente. Pa, Miguelito, Kely, Mau, Ana, Gui e eu. O encantador Canal da Mancha, o hostel, os coffee shops, os bondes e as suas trilhas cortando toda a cidade, a linda imagem do bicicletário, a Red Light District, a doceria... Fotos não expostas e lembranças jamais esquecidas. Imagens que não se tornaram turvas nem com o passar do tempo, nem com a fumaça viciosa que envolve toda a cidade. Ainda no carro e ouvindo “High Tide Or Low Tide”, pensei como seria maravilhoso retornar até lá com as mesmas pessoas, após alguns anos. Imaginei Pa ainda surfista convicto, Gui mais tatuado, Mau muito mais relaxado, Kely menos contida, Miguelito sempre mau-humorado antes do “café da manhã”, Ana com alguns centímetros a mais (Ahahahahahah! Se possível né, amiga? Tô brincando... Não chora!), e eu... Eu... MÃE! Só faltou a Camila! Ela não pôde ir conosco na primeira, mas com certeza estaria na próxima. Seria realmente maravilhoso! Todos mais velhos, experientes e com algumas novas e interessantes histórias no bolso do casaco.
Flashes e mais flhases. Passagens que não me deixam esquecer o quanto vivi. Cenas que vivenciei e que me fizeram a pessoa mais feliz desse mundo. Casos como esse são importantes para mim agora mais do que antes, pois sustentam uma idéia de que nem tudo foi em vão. Na maré alta e na maré baixa. Aqueles momentos em Amsterdam foram congelados em fotos e em nossas memórias.
Algumas das páginas do best-seller que está se tornando a minha vida...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

I Have A Dream

Noite passada sonhei com um caso totalmente incomum e complexo. Uma narrativa, uma voz masculina confortante e firme que noticiava uma história digna de alta audiência.
Era sobre um anjo. Uma alma jovem que queria experimentar das sensações humanas, que desejava conhecer o nosso mundo. Um espírito de luz que escolheu uma jovem como ponte para realização de seu maior sonho. Ele tentou de muitas maneiras se manifestar e todas as tentativas foram fracassadas. Todos os seus planos eram abortados. O curioso é que ele só não tentou vir como filho dela. A menina sofria muito e não fazia a menor idéia do que estava acontecendo. Ela não imaginava que “alguém” estava tão próximo dela e que queria participar da vida através de sua energia. Uma vez ele apareceu como um câncer no braço dela, uma ferida terrível que a fez sentir muitas dores. A menina foi operada e curada, e o espírito mais uma vez não conseguiu vivenciar o que tanto desejava. Cansado, ele resolveu entrar em contato e contar o que estava acontecendo. Ele percebeu que ela estava exausta, triste, desistindo das coisas que a faziam feliz. Eles conversaram e ela tudo entendeu. A ligação deles era surpreendente, uma relação de amor incondicional. Lembro-me bem do que ele disse, e com muito carinho a pediu um beijo e um abraço apertado e demorado. E o mais impressionante é que ele a chamava de “meu anjo” todo o tempo. Ela era o anjo dele...
No final da conversa o espírito se identificou. O nome dele era Anachin...
"I have a dream
a song to sing
to help me cope
with anything
if you see the wonder
of a fairy tale
you can take the future
even if you fail
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
I have a dream
I have a dream
a fantasy
to help me through
reality
and my destination
makes it worth the while
pushing through the darkness
still another mile
I believe in angels
something good in
everything I see
I believe in angels
when I know the time
is right for me
I'll cross the stream
I have a dream "
(ABBA)

Os mundos paralelos

Como o tempo voa!
Há um ano eu estava sentada na varanda da casa, tomando café da manhã e me recuperando de seis intensos dias de farra. Era carnaval. Um maravilhoso carnaval... Eu nunca poderia imaginar que minha vida estava prestes a mudar de direção, ainda mais de uma maneira tão brusca.
Naquele tempo eu tinha a certeza de que a minha volta a Londres, após toda aquela festa, seria viagem “one way” por bastante tempo... O carnaval foi uma despedida. Meus planos eram perfeitos! Eu estava feliz. Coração desimpedido, mente livre de qualquer vício e vontade, corpo descansado e muita disposição. A quarta-feira de cinzas, no ano de 2008, representou mais do que o fim de uma comemoração anual. Simbolizou um adeus glorioso.
Eu nunca tive tanta convicção dos meus sonhos e desejos. Não havia dúvidas sobre planejamentos. Caminho longo, futuro consagrado. Realização espiritual, mais do que pessoal. Ninguém nunca poderá entender o que viver em Londres significava para mim... Só eu mesma sei o quanto me custou chegar até lá, filho. Só eu mesma sei o quanto me custa estar de volta...
No sábado saímos para escolher o seu berço portátil e o carrinho. Uma sensação gostosa, a empolgação tomou conta de mim e quis tudo que existia nas lojas! Fiquei imaginando você em cada canto, vestindo todas as roupinhas, calçando todos aqueles lindos e minúsculos sapatos. Vi-te dormindo no seu bercinho verde, passeando no seu carrinho vermelho, desfilando com a provocante camiseta do Esporte Clube Bahia. Você combina com tudo, baby! Sua avó está super empolgada. Claramente pode-se ver a emoção no sorriso e olhos dela quando encontra algo para você nas vitrines. Após as compras, ela voltou para casa explodindo de felicidade! E eu refletindo sobre como tudo seria diferente se estivéssemos em Londres. Nem melhor e nem pior, apenas diferente...
É muito difícil viver em dois mundos paralelos, Anachin. Inexplicável como o passado e o presente se cofundem na minha cabeça. Um martírio interminável. Uma saudade dolorosa. Uma distância que aumenta a cada dia... Seria maravilhoso se eu pudesse conciliar tudo! Você, Londres, o ano de 2007 com o pessoal da Bush Road, os meses de 2008 no “box room” em Hornsey, meus pais e a Gigi, a praia... Tudo que me fez realmente feliz e realizada até agora. Indescritível seria poder apreciar, da Tower Bridge, a Lua Cheia que temos aqui. Ou poder comer um delicioso acarajé aos sábados, na Porto Belo Road. Melhor ainda seria dançar ao som da Timbalada no Hyde Park, numa bela tarde de sol de domingo. Dar a famosa volta no Guetho... Se a praia onde moramos fosse a dez minutos de Londres, nossa! Nenhum lugar no mundo poderia ser mais completo!
Às vezes penso em tudo que aconteceu e percebo o pouco que me faria extremamente feliz. Quando pequena, eu tinha a certeza de que seria famosa, rica, linda! Hoje, aos 27 anos, todos esses sonhos me parecem muito distantes e apenas anseio a paz. Depois de tudo que já me aconteceu, em tão pouco tempo, eu realmente não poderia desejar nada além disso. Por mais que a minha vida em Salvador seja muito mais tranqüila e fácil, ainda assim eu me sentia mais realizada em Londres. Não conseguiria explicar os motivos, mas aquela cidade mexe demais com a minha alma. E a situação que me encontrava antes de descobrir a gravidez era, na minha cabeça, um cenário quase que perfeito.
Preciso dizer que em momento algum me senti ameaçada por você, filho. Afinal, ser sua mãe sempre foi o meu maior desejo. Lutei muito para tentar manter tudo do jeito que estava, travei uma guerra até comigo mesma para continuar com todos os planos e sonhos. A vida é feita de escolhas... Eu ainda não podia ter tudo. Nem preciso registrar que ter a sua presença foi a única opção pensada no momento da decisão. Sempre foi, desde o início!
Hoje me percebo pensativa, bolando estratégias para reaver aquilo que me foi tirado, planejando um futuro mais do que desejado. Às vezes confundo os motivos e tudo me parece uma simples questão de honra. Mas logo recobro a razão e se torna mais claro quando transformo meus sonhos em objetivos de vida. O mundo da fantasia me encanta, mas a praticidade deve ser a essência da minha vida. Eu não tenho tempo a perder. As únicas idéias de um futuro próximo que me chegam são uma pós-graduação em jornalismo e mídia, a continuação dos cursos de idiomas estrangeiros, uma aprovação num bom concurso que me levará de volta para Londres em boas condições, e a sua formação, que depende do sucesso de tudo isso. Sinto-me um andróide, programada para executar sem ressalvas. Sinto-me mal por me sentir assim. Sinto-me muito bem quando penso que ser “isso” poderá me levar ao sucesso.
A emoção está perdendo mais espaço para a racionalidade e pensar estrategicamente é tudo que me resta no momento. O verdadeiro jogo da vida. Os dados viciados foram proibidos e o blefe tornou-se risco de penalidade máxima.
Você é tudo que enche o meu coração de calor, amor e paz. Você representa o resto de inocência que ainda persiste dentro de mim. Isso ninguém foi capaz de arrancar do meu peito, estava reservado. Agora você também significa uma racionalidade que me assusta, muito mais do que necessária.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Apenas um ponto de vista...

Todos os dias, ao escrever, penso sobre o seu primeiro contato com esse blog. A sua idade, a condição psicológica, moral e social que estará vivendo, o seu interesse em aprofundar o conhecimento sobre a sua história, a nossa história.
Ouvi muitos elogios, apoios incondicionais, mas também críticas por estar expondo publicamente algo tão pessoal e incomum. Algumas pessoas me questionaram, preocupadas, sobre o impacto que tudo isso te causaria, por ter um início “triste e injusto”. A idéia deveria ser apenas te contar o que tem de belo nisso tudo, o seu nascimento, o meu amor infinito por você. O mundo cor de rosa. Mas isso não seria leal com nenhum de nós dois. Não seria eu, nem você. Não poderia representar tudo que envolve a sua existência e a minha condição atual, e quem sabe até futura. A minha proposta é exatamente assegurar que nossas memórias não serão deturpadas, violentadas e depois assassinadas pelas mentes férteis e esclerosadas com o decorrer do tempo.
Só eu posso narrar a nossa história, baby. E sei que só nós dois podemos senti-la. E sei que, sendo MEU filho, saberá assimilar tudo de uma maneira favorável para seu crescimento pessoal.
Não agradei aos gregos, mas causei satisfação aos troianos.
Pelo menos ousei algo, saí de trás do escudo da vergonha e não aceitação e apostei. Espero ter jogado certo! Afinal, as moedas de ouro tornaram-se raras...
Depois de tudo o que aconteceu, Anachin, eu não poderia encolher os ombros, juntar as mãos, abaixar a cabeça até o queixo encostar no peito, e soltar aquele sorriso amarelo para a vida. Aí, sim! A vida poderia zombar de mim...
Um dia, há quatro anos, resolvi apontar o dedo na cara do destino e desafiá-lo para um duelo mortal. Até hoje lutamos, não há vencedor. Ainda...
Às vezes penso que talvez fosse mais fácil se eu não tivesse ousado tanto, mas a covardia não faz parte da minha natureza. Mesmo quando eu sabia que sairia perdendo, eu apostava. Hoje até acredito que isso simboliza uma parte ignorante do meu caráter. Não saber recuar...
E confesso que tenho receio de que você seja como eu, como uma maldição genética. Espera... Será mesmo maldição? Talvez eu esteja apenas observando a situação do lado errado. Um diagnóstico equivocado. Se algum dia me considerarem louca, a minha objeção será fatal! A loucura é um ponto de vista... Mas admito que até eu mesma, às vezes, acredito que estou delirando.
Sabe, filho... A cabeça dá voltas, nó cego de marinheiro. Pensar em desistir sempre é uma opção sedutora. Mas quer mesmo saber? JAMAIS!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A 144 bpm

Estamos entrando no oitavo mês, quase reta final, e todos ainda tentam sentir-te mexendo. Ninguém consegue...
Eu já avisei, já disse, mas não desistem. Passam a mão na barriga, massageam, conversam com você, esperam algum sinal de vida, mas nada adianta. Você só aparece para mim! Quando isso acontece é que tenho a certeza de que nossa ligação está acima de uma relação maternal. Nossa convivência se faz necessária por motivos espirituais, talvez um carma até, compromisso de vidas passadas, promessas não cumpridas que precisam ser realizadas agora, creio mesmo nisso.
Todas as noites, ao me deitar, reservo alguns minutos de conversa com você. Aliso a minha barriga, tento sentir alguma parte do seu corpo, experimento palavras e tons de voz que te fariam mais agitado. Sempre dá certo! Uma noite te chamei e não obtive sucesso na minha busca. Então pus a mão num ponto do lado direito da barriga e disse bem alto “my baby!”, e você deu um chute muito forte. Ri demais, começamos a conversar. Perguntava-te coisas, e você prontamente respondia com mais chutes. E o melhor de tudo é que sempre acertava nas respostas.
Confesso que me divirto quando digo a todos que meu Anachin só quer mexer para mim, a mãe dele. E para mais ninguém! E isso se tornou um desafio para alguns...
Há quinze dias estava sem contato virtual, baby. E isso foi bom para nós dois. Eu fui “forçada” a me desligar do mundo e me dedicar apenas a você. Saimos, compramos utensílios para o seu enxoval, nos divertimos na piscina, conversamos, relaxamos bastante! Agora que a minha rede voltou ao normal posso escrever novamente. Mas precisávamos desse tempo...
Refleti, analisei toda a situação por diversas vezes, sofri muito! Ri alguns momentos com um alívio repentino por loucas conclusões. Tive tempo de juntar tudo, repicar e jogar para o alto, perceber a chuva de ilusões caindo sobre a minha cabeça. E depois catar os pedacinhos em todos os cantos... O ritual se repetiu todos esses dias. Uma brincadeira perigosa, cheia de armadilhas e incógnitas, recheada de enigmas, engenheira por si só. Tomou vida própria, construiu e demoliu as minhas bases mais de trezentas vezes por dia. Deixou-me tonta de tanto pensar, me derrubou com rasteiras da capoeira mais traiçoeira. Para levantar custou sempre mais esforço... Como dizem na Bahia “para descer todo santo ajuda!”.
Ao final do dia senti o corpo cansado, pesado, desmembrado. A mente já não acompanhava mais as minhas vistas. Melhor descansar nos braços de Morfeu e desfrutar dos sonhos que já não tinha há tempos. Sonhos coloridos, surreais e descompromissados da minha infância. Mas a consciência me traiu e me trouxe pesadelos impiedosos. Não tive trégua! A vida deu seu recado. E fez questão de ter a certeza de que a mensagem foi recebida como deveria.
A realidade é um só: VOCÊ ESTÁ CHEGANDO, ANACHIN!
O resto... É RESTO!
26 de janeiro, dia de médico, de acompanhar seu crescimento. Dois meses da previsão para seu nascimento e você já estava com 42cm e 1,7kg. Seu coração batia a 144bpm, você estava perfeito! Você é perfeito! Não pode imaginar o meu orgulho em ser a sua mãe!
02 de fevereiro, dia de Iemanjá na Bahia. Uma das maiores festas populares da cidade de Salvador acontecia e nós recebemos um recado dela na noite anterior. Um sonho misterioso, o mar, uma rede, o peso de uma onda interminável sobre as minhas costas. A areia parecia mais forte após o impacto com meus joelhos. O mar me expulsou com firmeza, agressivo. Iemanjá não aceita dúvidas como oferenda...
05 de fevereiro. Descanso. Decidi dormir o dia inteiro, delirar, até desviar a atenção para desejos ultrasecretos dos meus tempos dourados. Quantas vezes sonhei com Peter Pan e o Capitão Gancho? Nossa... Tom e Jerry! Até mesmo o Roger Rabbit! Ahahahaha! Seria muito bom voltar a revê-los... Ouvi risadas da Gigi na varanda da casa e não consegui me concentrar mais, queria participar da festa. A Gigi sempre me faz esquecer por algum tempo que os meus problemas realmente existem. A sensação que tenho quando a admiro é a de que estou no lugar certo, com a pessoa certa, no momento certo. Nem posso imaginar como será a minha primeira vez com você. Mas uma certeza eu tenho: O MUNDO VAI PARAR, PARA SEMPRE!
As suas 144 batidas serão o nosso ritmo, a nossa velocidade. Eu posso senti-las sempre que enconsto a mão na minha barriga. Tantas pessoas já me contaram suas experiências como mãe, as suas emoções indescritíveis ao primeiro contato, mas sinto que nada disso poderá se comparar ao nosso momento. Cada caso é um caso, cada história tem a sua importância, e sei que no meu mundo emocional vivência alheia nenhuma poderá ser válida. Vamos construir tudo de novo...
Menos de dois meses, filho. Contagem regressiva para uma queda livre. Um salto sem pára-quedas, o desafio mais temido e o mais esperado da minha vida...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Um mundo nada subversivo

O alarme despertou às cinco e meia da manhã. Nós tínhamos um exame importante para fazer hoje, filho. Na verdade, quatro. As minhas idas a Salvador se resumiram a médicos e testes rotineiros, nada mais...
Após o laboratório fui a uma delicatessen para um rápido desjejum e, de repente, vi da janela uma confusão na esquina. Uma mulher caída, toda de branco, com um bolo de dinheiro na mão. Duas pessoas correram para socorrê-la, uma guardou o dinheiro para que ela não fosse roubada, a outra a virou de barriga para cima na tentativa de reanimá-la. Em menos de dois minutos e a rua estava tomada de gente curiosa, uns oferecendo ajuda, outros apenas queriam assistir a tragédia e provavelmente esperavam por uma notícia fatal.
Adoramos o fatalismo, essa condição humana viciada em terror e dramas. Qualquer fato triste nos prende mais a atenção, estimula nossa curiosidade e, numa visão até positiva, nos faz assimilar melhor a realidade.
Continuei a beber o suco de laranja e uma viatura já tinha chegado, fechado a esquina e afastado algumas pessoas. Após uns quinze minutos levantei-me e fui embora. Encontrei com seu avô no banco e passamos por lá de carro novamente uns vinte minutos depois, a mulher ainda estava deitada sem nenhum sinal de consciência...
Nunca saberei se ela sobreviveu...
Estou tomada de tristeza hoje, filho. Não por causa daquela cena, admito. Mas porque percebo a cada dia mais o quanto somos frágeis. Para morrer realmente basta estar vivo! Hoje eu era espectador, amanhã poderei ser a personagem principal. E a vida continua...
Nunca saberemos quando será nosso último dia. É preciso correr contra o tempo. Correr, não! Voar! Ultrapassar a velocidade do som, da luz, da vida! Não deixar nada para o dia seguinte, pensar antes de agir. Não pensar também é uma alternativa inteligente e mais prática! Optar por ser generoso ou egoísta, bom ou ruim. Ser consciente ou delinqüente, explorar o Id do seu cérebro ou aperfeiçoar cada vez mais o Superego.
Eu já escolhi algumas vezes, filho. Já fui transviada, desapegada, descrente dos laços e obrigações espirituais que me motivaram a voltar para este mundo nada subversivo. Acertei de menos e hoje tenho que conviver com os meus erros. Não acompanhei as leis naturais. Fui feliz, sim! Mas também me desgastei em muito pouco tempo... Relutei, preguei novas idéias e fui condenada. Senti-me como as bruxas da Santa Inquisição, réu sem qualquer motivo forte! E daí veio a revolta muda na minha cabeça. Os meus pensamentos se voltaram para uma revolução, uma guerra eterna entre os padrões e meus desejos. Não aceitei o discurso do meu professor da universidade sobre sermos todos iguais, instrumentos da mesma pós-modernidade, vítimas dos mesmos meios e ideais de consumo. Estava enganada! Ele já tinha vivido muito mais do que eu e sabia o que estava dizendo. Provavelmente não porque se especializou em metodologia científica e comportamento social, mas porque algum dia já foi como eu, um revolucionário falido. A bandeira é forte, mas a muralha que envolve essa realidade construiu alicerces muito mais resistentes...
Há algum tempo, para uma mulher na minha situação, o mundo seria impossível! Um esconderijo na floresta mais fechada seria a única solução. Hoje é tolerável, mas não menos condenável quando me viro de costas. Foi difícil voltar ao Brasil. Foi terrível encarar os olhares de decepção e, de alguns, até o desprezo. Foi triste perceber em algumas pessoas próximas a satisfação pela minha “derrota”. Afinal, voltei sozinha, grávida e sem estrutura financeira suficiente. Se não fossem os meus pais...
Engoli, calada, comentários do tipo: “os filhos de Jorge realmente não deram para nada! E agora? O que será dessa menina? E o pai dessa criança?”
Uma amiga da minha mãe foi capaz de me dizer que nunca imaginou que isso aconteceria com uma pessoa como eu, que sempre pousei de firme e independente. Inclusive me usou como exemplo para os filhos, para que nenhum deles repetisse o meu mesmo erro. Ninguém pode imaginar o que sofri quieta, no meu quarto. Quantas noites em claro, chorando, caindo em desespero e vergonha. E isso ainda acontece, filho. Confesso!
Já desejei muito estar numa situação semelhante à daquela mulher, caída, desmaiada e inconsciente. Quantas vezes idealizei uma morte repentina e tranquila, num cenário calmo, na minha cama... Perdoe-me, Anachin. Mas a euforia em ter-te dá espaço para o desânimo, às vezes...
Mas logo me lembro do seu perfeito rostinho, em todos os sonhos que já nos encontramos, e a decepção por causa dessa mentalidade humana e primitiva evapora! Que se explodam os pessimistas! O inferno tem espaço vazio suficiente para pessoas tristes e terríveis! Como essas que se lambuzaram com o meu sofrimento, com fofocas e comentários maldosos. Como aquelas pessoas que assitiram o episódio de hoje apenas para alimentar seus olhos famintos de desgraça alheia e continuarem suas vidas medíocres. A realidade machuca, Anachin. Não posso te esconder que você está chegando num mundo onde existe uma batalha travada entre zumbis sanguinários e anjos do apocalipse.
O alarme despertou às cinco e meia da manhã. Nós tínhamos um exame importante para fazer hoje, filho. Na verdade, quatro. Mas um pesadelo me pareceu tão real que preferi não levantar da cama...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

"Great songs never leave us, on a jet plane or otherwise..."

John Denver.
O conheci ainda muito jovem através dos cds do meu pai. Foi por causa dele que descobri a minha paixão por country music. Com ele que chorei muitas vezes quando estava triste e sorri quando senti alívio e felicidade. Ainda é assim...
Inexplicável como suas músicas tocam o meu íntimo, dizem coisas sobre a minha vida e exploram meus sentimentos. Sua voz... Ah, a sua voz me transmite paz de espírito mesmo quando sou traída e devastada por meus pensamentos. As minhas memórias com John Denver são magníficas!
Ele esteve presente quando senti a perda do meu primeiro amor, quando quis dizer adeus a algumas pessoas que deixei no Brasil em 2006, quando me senti insegura nos primeiros meses em Londres, quando me arrumava para o trabalho, as baladas, o Oneill’s! Esteve presente quando voltei ao Brasil e permaneci por seis meses sentindo falta dos ares e costumes europeus, quando decidi retornar e recomeçar a minha vida na cidade que escolhi para viver, quando reencontrei o seu pai e construímos uma história relâmpago! Quando descobri você... Quando tive que esquecer de mim e decidi vir embora novamente para o Brasil cinco meses após a minha volta para Londres.
Quando me despedi do seu pai, sem imaginar que poderia ser para sempre. Um adeus que eu entendi como “até logo!”
Quando realizei, já no Brasil, que estava sozinha e me sentindo abandonada.
John Denver está presente até hoje na minha dor, na decepção e desilusão... Ele também está nos meus planos para nós dois, baby!
Ele nunca esteve tão perto de mim quanto no dia em que decidi voltar. Eu estava no Hyde Park com o seu pai e, após uma dura e longa conversa, levantei-me e liguei para seus avós. Contei que estava difícil permanecer em Londres grávida e, por isso, voltaria para casa. Nao pude conter o choro e as lágrimas escorriam por meu rosto de uma maneira incessante. Eu finalmente tinha entendido que não teria o apoio necessário se ficasse lá e me conformei. Foram lágrimas de conformismo e dor, dois sentimentos que não deveriam nunca existir! Seu avô, como sempre maravilhoso, sem perguntar motivos, me disse: “Filha, estarei aqui esperando por você. Eu prometo que irei cuidar e amar seu filho como amo a você. E nada lhes faltará enquanto eu estiver vivo! Só te peço, minha filha, que não chore, por favor...”. Sua avó, mais fria por natureza, mas não menos preocupada e sentida, me perguntou se tudo estava bem conosco, para eu me cuidar e voltar em paz.
Seu pai assistia a tudo de fora da cabine telefônica e, ao fim da ligação, abriu a porta e me puxou com toda a força para os braços dele. E choramos juntos, por bastante tempo. Tudo decidido! Uma semana depois eu estaria no Brasil, sozinha...
Do parque então começou a despedida, e numa loja de cd encontramos John Denver novamente. Por um segundo esqueci de todo o sofrimento e seu pai, com o sorriso mais familiar que eu pude identificar nele depois de um mês, tocou na minha barriga e disse: “You’re beautiful! The baby is there, I can feel it! You’ll be so beautiful...”. E me deu um beijo cheio de amor. Sinto muito a falta daquele momento na loja...
Nosso destino então foi a minha casa, o meu quarto, todas as nossas lembranças naqueles cinco meses que estivemos literalmente juntos. Então eu quis reencontrar John Denver e pus o cd que havia comprado para tocar. A primeira música, “Leaving On A Jet Plane”.
“So Kiss me and smile for me
Tell me that you’ll wait for me
Hold me like you’ll never let me go
‘Cause I’m leaving on a jet plane
Don’t know when I’ll be back again
Oh babe, I hate to go...”

Nossa! Ele sempre acerta, filho! Eu e seu pai, abraçados na minha cama, choramos muito! Choramos o cd inteiro, porque todas as músicas diziam algo que nos tocavam a alma. Todas as canções representaram, naquele momento, a despedida mais linda e sofrida, os sentimentos que estavam sendo abortados, as memórias que lutaram bravamente, em vão, para não se resumirem a promessas não cumpridas como agora.
Ao fim da primeira música eu disse a seu pai: “Babe, I hate to go...”
Mas nem John Denver foi capaz, dessa vez, de evitar a minha volta ao Brasil... E eu me senti como na canção “Fly Away”.
“In the whole world there’s nobody as lonely as she
There’s nowhere to go and there’s nowhere that she’d rather be...”
Agora mesmo ele está cantando para mim, no meu quarto, enquanto escrevo para você sobre a sua história. Ele me acompanha nas manhãs quando acordo e lembro daquele dia, quando vou dormir e imagino te ninar com as maravilhosas melodias de suas músicas, quando canto para você reconhecer a minha voz desafinada e cheia de amor, quando dirijo ao me sentir só e angustiada, quando respiro e quando estou apaixonada por meus pensamentos mais loucos e sinceros!
Eu faço questão que a sua primeira dança seja comigo, ao som de John Denver, porque ele representa toda a nossa história juntos. Ele representa o meu amor por você, Anachin.
“I know that life goes on just perfectly
Everything is just the way it should be
Still there are times when my heart feels like breaking
And anywhere is where I'd rather be”
Ele acertou mais uma vez...

domingo, 18 de janeiro de 2009

NÓS

Baby!
Quero te mostrar o quanto sou feliz por ter você...
Nossa história é diferente, mas é a mais linda quando se trata de nós dois!
Olha como estamos lindos juntos! Sete meses e meio e parece que você sempre esteve aqui! Somos Lindos!!!
Eu sempre soube que você existiria, só não imaginava que ocuparia um pequeno espaço físico dentro de mim e, ao mesmo tempo, todo o meu universo!
Amo você, Anachin!




sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A comédia e a tragédia


A reclusão.
Neste exato momento da minha vida ela se faz mais do que necessária. É a minha melhor amiga e minha pior inimiga. Nunca imaginei que poderia passar tanto tempo sem pertencer a um meio social, sem ter muitos contatos com amigos e até mesmo conhecidos, ir a festas, desfilar nos shoppings à procura de algo que, na verdade, não preciso. Sair para dançar, me bronzear nas praias mais badaladas, ser paquerada...
Um simples percurso de Londres a Salvador e minha vida se resumiu a um terreno de pouco mais de três mil metros quadrados em Jauá. Meu mundo, uma rede, uma piscina, um campo de futebol que não utilizo, um quiosque onde acesso a internet, uma varanda onde me localizo agora e escrevo. Uma casa, um refúgio, um esconderijo, um spa, o céu. A claridade incomoda aqui!
O Éden...
O inferno também, algumas vezes...
Os meus pensamentos ecoam em todos os cantos, batem nos muros, fazem a volta e vêm novamente em minha direção como furacões devastadores. Eles gritam! Berram! Soam como o canto das águias sobrevoando o local da caça, parecem com animais feridos e escondidos dentro das árvores. Com medo, com raiva, com dor...
Se assemelham, ao mesmo tempo, a filhotes de passarinhos ainda depenados no ninho, à espera do alimento que chegará no bico da mãe. Aos bichos escrotos que só aparecem à noite, aos insetos que sugam nosso sangue após o pôr-do-sol, aos gatos que saem sutilmente em busca de presas na escuridão.
Confuso! Ao mesmo tempo muito claro...
A grande preocupação do mundo em “Ser ou não ser” não se classifica mais como “A questão”. Posso ser tudo, ou nada! Ja fui tudo, e agora me sinto como um nada... Logo poderei ser mais do que tudo outra vez! Basta uma estratégia diferente na minha mente e meus pensamentos se voltam para um mundo totalmente desconhecido e digno de exploração agressiva! Esqueço as aparências e realizo na minha imaginação coisas jamais ousadas na contemporaneidade. A mente é uma máquina poderosa, especialmente para aqueles que vivem dela... Eu não tenho outro caminho a percorrer no momento, dela me alimento e trabalho o passado, o presente e o futuro. Um cotidiano, ao mesmo tempo uma vida diferente a cada dia, sem interrupções.
A minha cabeça vai explodir! Respiro fundo, e logo a calmaria toma conta... As ondas da mentalidade alienada já não são mais nocivas. A paz reina novamente e tudo volta a ser como imagino a eternidade. Um espaço branco totalmente iluminado, uma luz que machuca as vistas, sem som, sem paredes, sem limites. Confunde os sentidos... Como isso pode representar, ao mesmo tempo, a vida e a ausência dela? Corro como uma alucinada e, de repente, um buraco se abre sobre mim e começam a cair meus velhos e novos pensamentos, colorindo tudo, e me afogo!
Mas não morro...
O conflito, seguido da tranquilidade instantânea quando percebo que nada fiz de errado! Apenas confiei no mundo... Apenas vivi!
Confio em você, filho, como a quebra do sigilo. Confio em você como a bandeira de paz estiada e a revolução por ideais inaceitáveis! A quebra do ciclo... Como o bem e o mau, a linha tênue que separa a razão e a emoção. Porque já não sei mais o que posso ser quando penso que você estará aqui e guiará a minha vida como um pacificador e, simultaneamente, como um gladiador! Você será meu Gandhi e meu Alexandre. Minhas duas faces.
A comédia e a tragédia.
Meu céu e meu inferno...
Meu velho inimigo e o mais novo amigo.
A minha liberdade e o direito de percorrer os universos parelos dos mortais e imortais.
O meu mundo...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A sagrada colina


Uma Igreja até pequena, mas de uma grandiosidade indescritível, do alto de uma colina sagrada, com a vista para a Bahia de Todos os Santos, completamente iluminada...
Uma escadaria, uma enorme porta que dá acesso à maior demonstração de fé presenciada por qualquer indivíduo...
Objetos e imagens que justificam as sensações de paz e misericórdia...
O choro contido ao ajoelhar-se. O choro não contido ao ler os milhares de agradecimentos presos na parede, as inúmeras curas, milagres e revelações divinas...
A Igreja do Senhor do Bonfim.
Estamos agora na tranquilidade em Jauá, filho. Mas neste exato momento vejo na televisão os baianos comemorando o dia desse Santo, numa celebração rica em crenças populares, folclores e religiosidade, cantando o hino mais emocionante que já ouvi. Tudo se mistura nas escadarias e fica difícil identificar a pessoa mais envolvida. O padre, da sacada, expõe a linda imagem de Cristo crucificado, enquanto os Filhos de Gandhy tocam instrumentos de sopro. Todos os fiéis vestidos de branco, um lindo tapete branco na escadaria. É realmente lindo de se ver!
A lavagem do Bonfim...
Um banho de fé, uma preparação para todo o ano que vai seguir.
A igreja é um dos cartões postais mais importantes da Bahia, conhecida mundialmente. Qualquer turista que chega à cidade de Salvador precisa conhecer essa maravilha e prender uma fitinha benzida no braço, de preferência posta por uma baiana a caráter, e fazendo os três pedidos juntamente com os nós. E não foi diferente com Tammy...
Eu senti a sua emoção desde o momento que paramos o carro. E observá-la orando ajoelhada foi incrível! Não me contive e tirei muitas fotos, inclusive no momento que ela acendeu velas e fez os pedidos. Ela não me contou, mas eu tenho a certeza de que pediu por nós e pela recuperação total do pai. Eu pude sentir a vibração, inexplicável!
Nossa relação estava estremecida por causa de alguns acontecimentos em Londres, mas essa história fica para outro dia...
Vir a Salvador para me visitar e, principalmente, conhecer a ti através de uma ultra, foi uma atitude mais do que merecedora para hoje ser considerada uma grande amiga da mamãe. Nos reaproximamos e nos tornamos confidentes novamente. Confesso que estou muito feliz por isso!
Para selar a amizade, Tammy teve a idéia de prendermos uma fitinha branca na noite de Reveillon, ao mesmo tempo. Então eu sugeri que a usássemos no pé direito, como um símbolo de nova caminhada, de nova vida, uma nova chance. No momento da virada, com os fogos estourando e todos desejando o melhor ao próximo, sentei-me e prendi a fitinha no local combinado. Os desejos? Sim... Secretos! Mas tenha a certeza de que foram todos em sua intenção, filho!
Aqui em casa temos uma tradição para a virada de todos os anos. Sempre somos as mesmas e poucas pessoas, fazemos uma roda de oração, seu avô faz um belo discurso, os outros complementam e todos pedimos, em silêncio, por um mundo melhor. Após isso, no momento da grande comemoração e com o estouro do champanhe, toca-se o hino de Senhor do Bonfim. E todos se abraçam! Foi nesse momento que amarrei a fitinha, sozinha, sentada num canto escondido, e supliquei por maravilhas na sua vida. Sorte na sua longa caminhada. Amor, saúde, paz...
Os desejos? Esses serão eternamente secretos! Confie em mim, são anseios tão grandiosos quanto...
A fitinha que eu prendi no meu pé direito não foi para mim. É para você! Estará ainda aqui quando você nascer... Ela é branca, e como todas possui a frase “Fita do Senhor do Bonfim da Bahia” escrita nela. É benta. É da Bahia!
Sua vida já é cheia de bênçãos, Anachin!
É uma criança protegida e vigiada por todas as divindades, pela natureza, pelas pessoas próximas a mim, até mesmo por aquelas que estão distantes, mas me amam e se preocupam comigo.
A lavagem da Igreja do Senhor do Bonfim, hoje, celebra milhares de milagres.
Eu, aqui em Jauá, comemoro a sua chegada...