quinta-feira, 26 de março de 2009

A partir de amanhã...


Anachin,

A partir de amanhã, as minhas fotos já não serão mais como essa. Você estará ao meu lado, segurando a minha mão.
A partir de amanhã, as minhas noites já não serão solitárias. O som da tua respiração me trará conforto e paz.
A partir de amanhã, nada terá mais sentido se você não estiver por perto...

Preciso te dizer que já é amado por muitos.
Amanhã, muitas pessoas estarão orando por você, pedindo a Deus que te abençoe e que te faça o ser mais feliz desse planeta! O sol estará brilhando, especialmente lindo amanhã, só para te receber. E a Lua... Ela estará ansiosa para poder aparecer e iluminar a sua primeira noite.

A partir de amanhã, o meu mundo já não será mais o mesmo...
Olha para essa foto. Consegue vê? Eu estava pedindo ao mar que trouxesse você.

Seja bem-vindo, meu filho!

quarta-feira, 25 de março de 2009

A sombra


Mais uma noite de sábado sozinha. Provavelmente a última que me sentirei assim por bastante tempo...
Todos dormiram cedo e eu, sem sono suficiente, permaneci na sala por algumas horas a mais num silêncio divino. As noites já foram o meu maior pesadelo, filho. Quando pequena, não conseguia sequer levantar da cama para ir ao banheiro ou beber um copo d’água. O seu avô, sempre muito paciente, ia ao encontro do meu desesperado chamado e sempre me tranquilizava. Imagino o alívio que ele sentiu desde o dia em que eu perdi o medo do escuro, mas também posso ter uma pequena idéia da falta que o meu grito faz a ele hoje. Deve ser muito triste para um pai pensar que o seu bebê cresceu e já não depende tanto dele. E, um dia, seu pequeno te traz um novo bebê... Coisa louca!
Havia apenas uma coisa que me divertia no escuro, que me fazia rir e não desejar que aquele momento acabasse. As sombras. Ficávamos eu e meus irmãos fazendo desenhos com as mãos nas paredes do quarto, imitando bichos e criando divertidas histórias. Cachorros, aves, cobras e até monstros terríveis! Tudo era engraçado e interessante. Qualquer desenho, por mais abstrato que fosse, tinha uma graça única! Crescemos e a brincadeira foi esquecida, perdeu todo o sentindo e já não possui mais toda aquela ingenuidade. As sombras sumiram e, se estão aqui, ninguém mais se importa com elas. Foram ignoradas.
Noite de sábado e eu sozinha, pensei na minha sombra como única companhia. Resolvi encontrá-la depois de anos que não a percebia. Fui até a parede e lá estava ela! Maior, com novas curvas, mais séria e sem tantos movimentos. Sem dúvida, eu estava diferente. E você também apareceu, filho. Ainda está dentro de mim, mas já sobressai no reflexo da minha alma. Linda, a sombra estava simplesmente linda! Não me contive e bati uma série de fotos. Precisava registrar esse momento para uma posterioridade não mais solitária.
A sombra, a minha mais secreta consciência, me dizia que você estava mais próximo do que eu podia imaginar. Alguns minutos admirando a representação da minha essência na parede e logo constatei que mais bela nunca fui. Jamais possuí algo tão valioso dentro de mim, algo tão majestoso e perfeito. O formato espetacular do meu corpo traduz a sua graciosidade.
Hoje não tenho mais medo do escuro. Sei que só assim posso ter a companhia do reflexo mais belo e familiar. Penso também nas lindas sombras que se formarão da imagem de nós dois, abraçados. E logo estarei criando as figuras mais engraçadas na parede do quarto, todas as noites, apenas para diverti-lo.

sábado, 21 de março de 2009

Os surrealistas

Estava navegando pelo blog de uma amiga e vi a seguinte frase:
“O pessimista queixa-se do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas.”
E um seguidor do blog respondeu:
“Fiquemos com os surrealistas: queiramos o impossível!”
Surrealismo... Uma idéia gorda e cheia de vácuos. As novelas, os filmes, o teatro, os livros, todos eles nos inspiram surrealismo e assim sofremos com o desejo de algo realmente impossível. O desejo pelo todo, a busca sedenta para ocupar o nada. O homem queixa-se do vento, espera que ele mude e também ajusta as velas. Não posso crer que exista um único ser humano no planeta que possua apenas uma dessas características. Somos o surreal, realizamos de tudo para conquistarmos o que queremos. E acontece também de nos anularmos, à espera de um milagre. O surreal tornou-se o impossível desde o dia que decidimos esquecer a fé. Concretizou-se no possível no momento que ousamos e quebramos limites antes considerados divinos. Uma gangorra, um pêndulo extremamente acelerado, nem podemos mais medir a velocidade da crença de poucos e desilusão de muitos. Ou seria o contrário? Ou, até numa teoria ainda mais polêmica, nos tornamos o crente e o descrente a depender da situação. Não há fidelidade e nem linha de raciocínio que dure mais do que um estado de espírito. As pessoas parecem procurar apenas aquilo que as tornam mais felizes.
Você já foi algo surreal, filho. Porque já alcancei o ceticismo por um longo período. Mesmo vivendo, respirando e sorrindo, tinha a certeza de que tudo que sempre desejei seria impossível de alcançar. E de repente a vida invadiu o meu útero e fez de lá o início de um novo universo. A renovação do meu cansado ser, em proporções ainda muito maiores! Um buraco negro impiedoso se abriu sob os meus pés e engoliu, em questão de segundos, tudo que existia à minha volta. E sua estrela, muito maior do que o nosso lindo Sol, explodiu com toda a força e recriou a vida mais verde do que antes.
Você é poderoso, Anachin! Sua aura cega os cruéis, covardes e egoístas. Você transformou em pó pensamentos negativos que ainda existiam dentro de mim. E hoje me sinto tão mais leve e tranquila, mesmo depois de ter sido surpreendida pelo destino novamente. Mesmo depois de ter me queixado da direção do vento...
Eu nasci surrealista e tornei-me otimista ainda adolescente. Depois optei por ser realista e por fim caí na desgraça pessimista. E todo o ciclo está se repetindo, pois me sinto renovada, renascida, surrealista. E tenho a certeza de que esse circuito nunca pára. Só precisamos adquirir a virtude da paciência para esperar que as fases se concluam. Você, filho, ainda é o surreal brotando dentro de mim e em alguns dias será o realismo florescido. O vento sempre caminhando na perfeita direção.
E confesso que concordo com seu amigo, minha querida amiga Evelyn! Fiquemos com os surrealistas...

quinta-feira, 19 de março de 2009

O recomeço

O telefone permaneceu mudo por quase sete meses. Agora me sinto até estranha ao atender uma ligação, como se não soubesse o que dizer para a pessoa do outro lado da linha. “Alô? Oi, quanto tempo!”
Algumas vezes, antigos amigos não reconhecem a minha voz. Acho que nem eu mesma poderia reconhecer algo que não ouço mais. Tenho passado tanto tempo calada, alguns momentos apenas escrevendo ou pensando sobre tudo, que a fala se tornou o meio de comunicação mais incomum e primitivo. Eu já gostei tanto de ouvir os meus próprios discursos sobre algum assunto abordado, longos e confusos discursos que persuadiam qualquer um. Hoje, cansada e descrente das minhas loucas filosofias, percebo que falei mais do que devia e ouvi menos do que precisava. Difícil admitir, mas tudo que me tem acontecido trouxe a certeza de que não enxergava nem um palmo diante do meu nariz e, ainda assim, acreditava que possuía olhos de lince.
O telefone não pára mais, todos querem saber detalhes sobre sua chegada. Todos perguntam sobre como me sinto, e algumas vezes questionam coisas que eu não poderia nem responder. Agora, a minha voz já não soa mais com tanta petulância e insolência. Já não possuo falas tão compridas...
Muita teoria e pouca prática, assim me construí e vivi antes de sua existência. Não consigo compreender como tanta imaturidade pôde ser capaz de permanecer todo esse tempo, sem ser abalada. Acreditei nas fórmulas, levei a sério tudo que li a ponto de ignorar as entrelinhas. Desejei loucamente o conhecimento e não percebi que não o alcançaria sem aceitar a vivência alheia. Nada me convencia, eu era a auto-suficiência em carne e osso. Talvez fosse uma fuga, a maneira mais fácil de não encarar as verdades que aqui sempre estiveram.
E você veio de repente, filho, para me mostrar que eu de nada sabia. Que eu perdi muito tempo acreditando que era uma pessoa incrível e não enxerguei a minha covardia e descaso com a vida. Uma pessoa sem compromissos, cheia de medos e inseguranças. Uma força forçada, um sorriso sintético e uma tranquilidade arranjada. E agora você apareceu para desfazer esse protótipo falido.
Sempre vivi numa bolha, protegida pelo amor e bondade dos seus avós, e possuía um discurso ridículo de que o sofrimento engrandece o homem. Enquanto pessoas morriam de fome, cresciam em meio à violência e eram ignorados pela cultura, eu tinha mais do que o necessário e ainda assim acreditava que era castigada pela vida.
Ver apenas o que acredita, e não acreditar no que vê. O erro cometido que foi fruto da junção de todos os pecados capitais. Foi bom enquanto durou, mas hoje sinto o peso da minha escolha. Acredite, filho! Escrevo para você na tentativa de te fazer errar menos e viver mais. Sei que irá, inevitavelmente, comenter os seus próprios equívocos, mas não posso perder a chance de te fazer entender o que não é válido seguir como exemplo.
Em uma semana, provavelmente, você estará entrando pela porta da nossa casa e mudará todo o ritmo da minha vida, mais uma vez. Desculpa por desfazer, sem meias-palavras, da imagem de perfeição que os filhos procuram sempre ter dos pais. De certa maneira, me revirar pelo avesso só me dá forças para recomeçar do zero novamente. E desse meu jeito prometo tentar te fazer a criança mais feliz de todo o mundo.

sábado, 14 de março de 2009

The Pilot


"You are the pilot
and the voice of the story.
You are the one who creates and tells
the stories for those who could not be there.
You are unable to be comforted but wish to comfort others.
There is a great something missing in your life.
Do not forget that you are much loved.
Let your sorrow be comforted."

Obrigada, Tammy!



quinta-feira, 12 de março de 2009

A sua escolha

Fico sempre muito curiosa quando penso sobre suas prováveis e improváveis reações ao primeiro contato com este blog. Nossas vidas, histórias que normalmente permaneceriam secretas, meus mais íntimos sentimentos sobre tudo e todos, contos devassados com uma única permissão: a minha. Cada pedacinho seu, filho, se reproduz através dos caminhos que eu escolhi e das opções, certas e erradas, que continuo fazendo. A responsabilidade me deu um ultimato meio tardio, penso, mas necessário. Outro dia estava analisando as minhas atitudes passadas e admito que, por bastante tempo, fui omissa e covarde com o meu futuro. Escondi-me atrás da imagem dos meus pais, me acomodei a condições de vida que, na verdade, não eram minhas, mas da minha família. Deixei o tempo passar e hoje sinto o peso do castigo. Por mais que ainda seja jovem, com um longo tempo pela frente, tenho consciência de que o caminho poderia ter sido fácil quando as oportunidades me estenderam a mão, e agora eu terei de correr no rastro da poeira que deixaram para tentar alcançá-las novamente. Tremo por dentro só em pensar que agora terei um filho que merece tudo de melhor neste mundo, e que sozinha não tenho a menor condição de criá-lo. No que se resume então uma pessoa como eu, sem condições moral, social, financeira e profissional? Um nada! Na real, a vontade que tenho é de fugir, correr o mais rápido que puder até desaparecer das vistas alheias, virar história que logo seria esquecida. Assim tudo seria mais fácil, bem mais fácil do que encarar a vida como uma corajosa idiota. Os conflitos que enfrento, dividida entre razão e emoção, só me fazem sentir mais confusa. A única opção é manter a calma, resgatar a tranquilidade e esperar pelo dia seguinte.
Imagino você lendo este blog no futuro próximo e tirando as suas próprias conclusões sobre mim, sobre tudo que envolve a sua existência. Conhecendo, através das minhas tortas palavras, pessoas que não farão parte da sua vida e outras que estarão sempre presente. Sentindo, vivendo e talvez até abominando fatos passados, simplesmente porque estão escritos e jamais poderão ser apagados. Escritos com as minhas palavras, filho. Uma história de vários lados, mas numa única versão. E, no final, todos os acontecimentos desde muitos anos atrás levam a linha do mundo até você.
Duas pessoas já tentaram ler a minha mão, mas ambas nunca souberam me dizer o que viam exatamente. O primeiro me contou que os meus traços são confusos, mas que podia ver que a minha força e concentração mental poderiam ser capazes de quebras até copos de cristal. Além disso, que a minha linha da vida teria uma grande e grave interrupção, mas que logo eu me refaria e continuaria o meu caminho. O segundo nada conseguiu decifrar, desistiu e mudou de assunto. Ele também me disse que as minhas linhas são muito confusas, que não são claras. Duas mulheres garantiram que você era uma menina. Nunca tinham errado antes com testes supersticiosos, mas dessa vez até o médico se confundiu. Todos se equivocaram. Inclusive eu, que sonhei com uma linda garotinha nos meus braços e tinha a certeza de que era você. Embora sempre tenha sentido que esperava por um menino, eu sonhei que viria minha Agatha. Veja, meu filho, temos destinos cruzados. Vidas indefinidas, mistérios que rodam nossas almas. Futuros embassados, imagens que se tornam desfocadas pela máquina do tempo.
Há chances para que me considere uma louca, uma pobre coitada sem rumo. Há também probabilidades para que seja a melhor pessoa a compreender de fato as minhas palavras. Um dia, você escolherá seguir um caminho diferente ao meu ou continuar os meus incoerentes passos. Logo decidirá sustentar as minhas incompreensíveis idéias ou então se desfazer de todas elas. Sim, corremos o risco de sermos dois estranhos, por mais que isso seja uma remota possibilidade.
Sei que meus pensamentos parecem racionais demais, às vezes assustadoramente práticos e de lógicas incomuns. Mas quem eu seria se não me construísse dessa maneira? A sua mãe, com certeza que não...

terça-feira, 10 de março de 2009

Há seis meses...

(Texto escrito em 08/03/2009)
Uma leve cólica me acordou hoje, avisando que você está mais próximo a cada dia. A barriga já aponta para baixo e fico a pensar se você vai antecipar o nosso encontro. Sua avó já se prepara para uma possível surpresa, a ansiedade toma conta de todos a nossa volta.
Como de costume, acordei às seis e meia da manhã e dei uma volta na varanda da casa. Clima de um provável domingo comum, sol, piscina e feijoada, mas logo percebi que, nesta data, há seis meses, me despedi de Londres e perdi alguns dos meus mais queridos sonhos. Voltei para a cama e imagens dos meus últimos momentos antes do vôo e os primeiros após a minha chegada a Salvador vieram na minha cabeça. A sofrida arrumação das malas, eu não sabia o que deixar para trás. O último banho, a última vez que deitei na cama ao lado do seu pai, as lágrimas que o chatearam e o fizeram dizer coisas que me machucaram muito num momento que eu só precisava de carinho, de um abraço apertado. O alarme que me despertou na madrugada, avisando que a hora de ir tinha finalmente chegado. O táxi esperando na porta do prédio, seu pai desceu com as malas e eu permaneci imóvel, sentada na cama; então ele subiu para me buscar e me conduziu para dentro do carro. O caminho; estávamos calados e eu deitada no colo dele, só observava o céu escuro, as luzes da cidade que tanto amo, os prédios, as casas, o silêncio que dominava tudo. Seu pai afagava os meus cabelos e quando chegamos ao aeroporto, um aperto de mão me avisou que a cada segundo se aproximava mais o meu maior pesadelo. O check in, uma das malas com excesso de peso, seu pai nervoso abriu as bagagens e reorganizou rapidamente a arrumação. Eu, nesse momento, já não tinha ação para mais nada. Uma volta rápida até o saguão e então a chamada. Não tive tempo de me despedir e mesmo que tivesse um dia inteiro, não seria suficiente. O último abraço, mais lágrimas que ardiam os meus olhos e embassavam as minhas vistas, o receio de nunca mais tocar o rosto do seu pai, de não poder dizer o quanto ele era importante para mim. As nossas últimas palavras, os pedidos, as declarações. Eu não queria partir, mas não tinha mais volta. E então o pior momento, quando perdemos o contato visual e tudo mais teve de ser dito através de mensagens de celular, antes da decolagem. Eu estava tão paralisada de medo, de dor, me sentindo tão só...
O encontro com seu avô, a vergonha quase não me deixou dar um passo em sua direção. Ele estava lá, ansioso, saudoso e assustado, esperando para me dar o abraço mais apertado do mundo. Eu quis chorar, mas engoli o desabafo e forcei um daqueles sorrisos falsos. A chegada em casa, eu ainda do estacionamento avistei a sua avó sentada na varanda, séria e não menos assustada, me observando descer o caminho até a porta. Eu queria sumir, entrar num buraco qualquer e me esconder. Tomei um banho, desfiz as malas, troquei poucas palavras com todos, tentei ligar para o seu pai e não consegui, e então me recolhi. Procurei a minha tão esperada cama, para finalmente desabar em choro. Passaram-se seis meses desde esse longo dia e eu me sinto a mesma, nada mudou. A dor, a vergonha, a saudade de tudo que deixei para trás, o medo da possível perda que hoje se tornou um fato. Tudo isso continua presente e todo esse tempo so serviu para reforçar esses sentimentos. A sensação de que essa grave ferida nunca vai cicatrizar é mais forte a cada movimento de respiração.
Todos acham que o tempo passou muito rápido, mas só eu sei o quanto me custa cada manhã que acordo e percebo que não estou em Londres, cada noite que deito e trago um choro mudo. Só o meu travesseiro pode testemunhar os meus anseios, todas as noites. Só eu sei o quanto dói enxergar que os meus planos foram desmontados, que a idéia de “vida perfeita”, tão simples, não foi possível de realizar. E quanto mais as pessoas tentam me consolar, dizendo que logo tudo ficará bem, mais eu me sinto só, ao perceber que jamais conseguirei ser realmente ouvida e entendida.
Seis meses, filho. Em breve essas lembranças farão aniversário de um ano e você terá seis meses. E logo você completará um ano e a ferida dessas lembranças continuará sangrando, diariamente. Preciso que você saiba, seguramente, que sou a criatura mais feliz do mundo por ser a sua mãe, mas que como qualquer ser-humano, possuo minhas dores e traumas pessoais. A sua existência se faz necessária e mais do que adequada neste momento da minha vida e tenho a certeza de que, sem você, tudo seria muito mais difícil e sofrido. Hoje fui parabenizada pelo Dia Internacional da Mulher, mas apenas me sinto como a sua mãe.
Final do dia, a barriga já possui um diferente formato e está cada vez mais baixa. A leve cólica permanece e tudo que desejo é a minha maravilhosa e confiável cama. O cansaço toma conta da minha mente, os meus olhos pesam e todos os meus sentidos já se confudem. Finalmente, por algumas poucas e silenciosas horas, terei a chance de realizar em sonhos todos os meus antigos desejos...

quinta-feira, 5 de março de 2009

As fantasias

Depois de tantos meses, ainda considero o meu quarto o único refúgio totalmente seguro. Se é que isso é possível. Quando a mente não está totalmente a seu favor, não há um local no mundo que seja de absoluta paz e tranquilidade. De qualquer forma, o meu quarto continua sendo o meu mais valioso espaço.
A tarde de ontem foi extremamente quente e abafada. Senti-me sonolenta e pesada, conseqüência da gravidez, acredito. Embora sempre tenha sido sonolenta aos dias e desperta às noites... Enfim, ontem só conseguia pensar na minha cama, no filme da Sessão da Tarde, num pedaço enorme de melancia antes de um copo maravilhoso de Coca-cola e no ventilador, girando bem na minha frente. E como toda e qualquer mulher grávida, cedi aos meus desejos como num passe de mágica!
Uma cena do filme, em especial, chamou-me bem a atenção. Na sala de aula, o professor de literatura discursava sobre fantasia. Claro que uma certa obra de Shakespeare foi citada como o exemplo mais clássico e romântico da situação, mas o que ele queria mesmo abordar era a questão do uso da fantasia para a conquista de algo desejado. Fiquei pensativa o resto do dia e a noite também, mais ainda. Filho, esse momento de espera faz-me refletir todo o tempo sobre a pessoa que eu era, que me tornei e que provavelmente serei em alguns anos, até o fim dos meus dias. A única coisa que tenho feito em todos esses meses é pensar. Desmonto minha natureza e refaço meu raciocínio a todo momento. Nem quando criança brinquei tanto de quebra-cabeça...
Todas as fantasias que já vesti, vieram ao meu encontro como num baile de carnaval único e assutador. Mais parecia festa de Halloween! As músicas, as luzes, as danças, as gargalhadas das máscaras que me assombraram por todos esses anos de tentativa de desintoxicação psicológica. Não posso esquecer-me de algumas fantasias românticas, outras infantis ou até mesmo as mais ingênuas. Essas fizeram alguns momentos da festa, mágicos.
Lembrei das fantasias que usei para encenar nas comemorações da pré-escola. Ou daquelas que encarnei com emoção nas pecas de teatro do Vieira, mesmo essas nunca sendo personagens principais. O concurso de poesias, subi ao palco como uma verdadeira poeta. A minha “grandiosa obra” foi publicada no livro anual do colégio, como prêmio, e fui convidada a recitá-la para um auditório repleto de pais e familiares orgulhosos. Outras fantasias eram submissas e inseguras, quando me calava diante dos colegas por vergonha de ter o meu nome exposto no jornalzinho mensal, ou até mesmo em gincanas ou trabalhos extracurriculares. Uma vez, aos 14 anos, fiz um lindo poema sobre o crepúsculo e pedi a uma amiga que assinasse por mim, para que o texto fosse publicado na escola. Realmente um lindo poema...
As paqueras. Perdi a conta de quantas vezes fui alguém que não reconhecia em mim, só para impressionar garotos imaturos e vazios. Os olhos se enganam. A beleza cega. Ao contrário do que dizem os cientistas, a mente não processa as informações tão rápido quanto o coração sente. E ele normalmente comete equívocos, filho.
Comparando todas elas, a minha fantasia mais perigosa atuava com a compreensão e fácil aceitação de todos os fatos. Tudo era normal, qualquer coisa era perdoável. Só não valia perder a alegria, o sorriso. Afinal, é isso que todos esperam sempre de você. Uma pessoa madura, segura, feliz, realizada e moderna. Cada mágoa, cada traição, as revoltas por sentir-me enganada, nada disso era justificativa forte o suficiente para um desequilíbrio emocional momentâneo. Lá eu estava, sempre desempenhando esse papel ridículo e medíocre, a mulher mais compreensível e doce do mundo. Chorando por dentro, mas sorrindo por fora. Coração sangrando e comportamento digno de realeza. E eu estava completamente errada! Muitas pessoas se aproveitaram dessa fantasia perfeita. Eu me aproveitei também da minha própria máscara e só encontrei a dor e decepção mais na frente. A vida se encarregou pessoalmente de me desmascarar por cada vez que tentei me esconder dela, por trás de um falso e forçado sorriso. Desmoronei, sim. Achei por um momento que nunca mais fosse levantar. E algum tempo depois, lá eu estava novamente com uma fantasia inédita, porém versão mais atualizada dos meus tempos de idiotice completa. Alienação, pode-se afirmar. Até hoje me questiono os motivos que me levaram a tantos disfarces. Nada alcancei, apenas me machuquei. Tudo que consegui foi ouvir, em diferentes textos, que sou a pessoa mais pura e doce que já conheceram, e que por isso não merecia ser mais magoada. Minhas fantasias sempre foram dignas demais, e por isso sempre receberam a “sinceridade” alheia em troca. Ninguém se sentiu suficientemente elevado ao meu nível, depois de tanto terem mentido e forjado alguma característica nobre. Todos souberam aproveitar a novidade do “ser bom e honesto” em mim para depois se julgarem indignos da minha preciosa companhia. Ninguém perguntou às minhas fantasias o que eu queria, o que eu achava e desejava. Ou o que não desejava. Os meus compreensivos sorrisos subtendiam maturidade excessiva.
Processo vicioso, impossível de ser desfeito depois que se passa a ser parte integrante dele. Hoje visto a fantasia de mãe. Procurei esquecer a pessoa e mulher que habitavam em mim. Eu já me dividi em três e agora me vejo em apenas uma. Há seis meses, a fantasia do compreensivo sorriso engoliu os meus anseios e resumiu a minha existência através de uma fantasia maternal incompleta. Venho tentando consertar mais este erro durante todo esse tempo. Complicado, confesso. Extremamente doloroso e complicado, porém necessário.
As fantasias nos dão coragem para realizar algo considerado inadequado por nossas próprias leis pessoais. Uma máscara facilmente posta pode tornar-se difícil de ser retirada. Às vezes, fingir ser uma outra pessoa parece a atitude mais simples e coerente, mas na verdade é a opção mais perigosa, o caminho mais tortuoso.
A minha cama, definitivamente, estava especialmente deliciosa ontem. Desconfio de que ela vestiu o disfarce de esconderijo e me fez sentir a mulher mais protegida, no mais absoluto conforto. Adormeci, e esta manhã percebi que algumas das minhas fantasias já estavam aposentadas, penduradas nos cabides do armário do tempo.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um dia de cada vez, uma vez a cada dia

Um domingo atípico. Casa vazia, ausência de música, bebidas e festival de tira-gostos. Poderia ter sido um final de semana como todos os outros, com bastante gente transitando da piscina para o quiosque, sua avó na cozinha todo o dia, preparando comida para um batalhão, seu avô ouvindo o som no volume máximo até estourar as caixas, enfim... Nada disso aconteceu.
O dia estava muito quente, abafado, e então decidi jogar-me na piscina. Sozinha, apenas um gelado copo de Coca-cola me acompanhava. Esse eu tenho a plena certeza de que nunca me abandonará... Mergulhei, a água estava simplesmente deliciosa. Senti-me tão bem ali, sorri. Protegida, feliz. Imaginei o nosso primeiro mergulho juntos. Quando pequena, eu costumava correr para o mar ainda com roupa. Fugia para a primeira poca d’água. Não tinha paciência em esperar para ter aquele sempre maravilhoso encontro com as ondas. Acredito que com você não será diferente...
Então ali estava, na piscina, e comecei a experimentar a leveza que sentia. Criei passos, vagarosamente. Movi os braços e as pernas, o quadril. Ensaiei movimentos das artes marciais, imitando cenas de filmes que tinha assistido antes. Acompanhei as ondas que formei com as mãos e observei a direção que os meus longos fios de cabelo seguiam, em mudança constante. Experimentei o silêncio, submersa. Fiz massagem na barriga para que você sentisse as vibrações. Pensei em nós dois. Pensei em você, meu filho. Olhando em volta percebi o que estava acontecendo. Definitivamente, o paraíso te aguarda aqui, ao meu lado.
À noite, sentei-me para assistir o Fantástico. Eu, um pedaço do bolo de chocolate que a sua avó fez (maravilhoso!), um outro geladíssimo copo de Coca-cola e Lana, como sempre ao meu lado até o fim de todas as noites. Vi uma reportagem sobre a guerra travada entre o Vice-presidente José Alencar e o câncer. Há 11 anos, sem trégua. Filho, eu nunca passei por graves problemas de saúde, mas tenho a certeza de que não há drama maior do que a falta dela. É incrível a coragem daquele homem! E a clareza para encarar os fatos é, sem dúvida, invejável! A tranquilidade, a sobriedade. Em seu discurso, ele diz que não é a coragem que o faz enfrentar a doença, mas sim a necessidade. Simplesmente é necessário! E não se deve temer a morte, pois ela faz parte do ciclo da vida. Que cada dia que lhe for dado, será aproveitado. E finalizou agradecendo a Deus.
Respirei fundo, pensei nos seus avós quando idosos, pensei em mim no fim de tudo isso. Pensei em você, provavelmente eu não estarei aqui para te abraçar. Quis chorar, uma tristeza precoce invadiu o meu peito e me fez ter a certeza de que não estou preparada para tal despedida. Sempre encarei a morte como algo realmente natural, mas confesso que acreditava na eternidade da nossa família. Hoje, certa de que isso não existe, percebo que toda a minha infantil e doce ilusão não passava da não aceitação dos fatos. Deu uma vontade louca de fugir, me esconder desse futuro cruel e pesado, feio. Desconhecido...
Fugir... Correr do mundo até ultrapassar suas barreiras imaginárias. Fingir que não existo, debaixo das cobertas talvez, até que a vida esqueça que estou aqui. Ser invisível para a morte. Inexistente para a tristeza. Nula ao sofrimento. Mas daí vem o nobre pensamento do nosso Vice-presidente, sobre encarar a morte para viver a vida, viver a vida para encarar a morte. Respirar todos os processos, todo o ciclo. E senti-me tão pequena! Covarde e fraca. Como me odeio sempre que desejo essa fuga! Uma corrida contra o tempo que, por um momento, faz tanto sentindo. Mas que depois se torna incoerente e estúpida.
Tudo bem, desisto. Entrego-me à realidade. Nada de complexo de Peter Pan, nunca mais! A Terra-Do-Nunca não existe, ou pelo menos eu ainda não tenho conhecimento desse mais que valioso mapa. Viver um dia de cada vez, como se fosse o último. Sem exagerar no Carpe Diem, claro...
E no meio de todo esse melodrama de novela mexicana, agarro o desfecho da história como a vilã mais sedenta por uma resposta aos meus violentos traumas. O segredo é experimentar. Não dar espaço às frustrações. Não se deixar enganar por futilidades e banalidades que só tomam o seu precioso tempo. Dividir o prazer da vida com as pessoas que ama, e que te amam. Agradecer aos elementos da natureza, pedir permissão diária para utilizá-los a seu favor. E depois de muito treino, conseguir ser mais veloz do que a própria consciência. Conseguir sorrir para o dia assim que abrir os olhos, antes mesmo de pensar, pelo simples fato de ter acordado mais uma vez. Em menos de um mês terei o maior motivo para acordar, todos os dias... O meu Sol, Anachin.
Despertar amanhã mais contente do que hoje. E assim por diante. Um exercício sem fim, para o resto dos meus dias...
Um dia de cada vez, uma vez a cada dia.