terça-feira, 10 de março de 2009

Há seis meses...

(Texto escrito em 08/03/2009)
Uma leve cólica me acordou hoje, avisando que você está mais próximo a cada dia. A barriga já aponta para baixo e fico a pensar se você vai antecipar o nosso encontro. Sua avó já se prepara para uma possível surpresa, a ansiedade toma conta de todos a nossa volta.
Como de costume, acordei às seis e meia da manhã e dei uma volta na varanda da casa. Clima de um provável domingo comum, sol, piscina e feijoada, mas logo percebi que, nesta data, há seis meses, me despedi de Londres e perdi alguns dos meus mais queridos sonhos. Voltei para a cama e imagens dos meus últimos momentos antes do vôo e os primeiros após a minha chegada a Salvador vieram na minha cabeça. A sofrida arrumação das malas, eu não sabia o que deixar para trás. O último banho, a última vez que deitei na cama ao lado do seu pai, as lágrimas que o chatearam e o fizeram dizer coisas que me machucaram muito num momento que eu só precisava de carinho, de um abraço apertado. O alarme que me despertou na madrugada, avisando que a hora de ir tinha finalmente chegado. O táxi esperando na porta do prédio, seu pai desceu com as malas e eu permaneci imóvel, sentada na cama; então ele subiu para me buscar e me conduziu para dentro do carro. O caminho; estávamos calados e eu deitada no colo dele, só observava o céu escuro, as luzes da cidade que tanto amo, os prédios, as casas, o silêncio que dominava tudo. Seu pai afagava os meus cabelos e quando chegamos ao aeroporto, um aperto de mão me avisou que a cada segundo se aproximava mais o meu maior pesadelo. O check in, uma das malas com excesso de peso, seu pai nervoso abriu as bagagens e reorganizou rapidamente a arrumação. Eu, nesse momento, já não tinha ação para mais nada. Uma volta rápida até o saguão e então a chamada. Não tive tempo de me despedir e mesmo que tivesse um dia inteiro, não seria suficiente. O último abraço, mais lágrimas que ardiam os meus olhos e embassavam as minhas vistas, o receio de nunca mais tocar o rosto do seu pai, de não poder dizer o quanto ele era importante para mim. As nossas últimas palavras, os pedidos, as declarações. Eu não queria partir, mas não tinha mais volta. E então o pior momento, quando perdemos o contato visual e tudo mais teve de ser dito através de mensagens de celular, antes da decolagem. Eu estava tão paralisada de medo, de dor, me sentindo tão só...
O encontro com seu avô, a vergonha quase não me deixou dar um passo em sua direção. Ele estava lá, ansioso, saudoso e assustado, esperando para me dar o abraço mais apertado do mundo. Eu quis chorar, mas engoli o desabafo e forcei um daqueles sorrisos falsos. A chegada em casa, eu ainda do estacionamento avistei a sua avó sentada na varanda, séria e não menos assustada, me observando descer o caminho até a porta. Eu queria sumir, entrar num buraco qualquer e me esconder. Tomei um banho, desfiz as malas, troquei poucas palavras com todos, tentei ligar para o seu pai e não consegui, e então me recolhi. Procurei a minha tão esperada cama, para finalmente desabar em choro. Passaram-se seis meses desde esse longo dia e eu me sinto a mesma, nada mudou. A dor, a vergonha, a saudade de tudo que deixei para trás, o medo da possível perda que hoje se tornou um fato. Tudo isso continua presente e todo esse tempo so serviu para reforçar esses sentimentos. A sensação de que essa grave ferida nunca vai cicatrizar é mais forte a cada movimento de respiração.
Todos acham que o tempo passou muito rápido, mas só eu sei o quanto me custa cada manhã que acordo e percebo que não estou em Londres, cada noite que deito e trago um choro mudo. Só o meu travesseiro pode testemunhar os meus anseios, todas as noites. Só eu sei o quanto dói enxergar que os meus planos foram desmontados, que a idéia de “vida perfeita”, tão simples, não foi possível de realizar. E quanto mais as pessoas tentam me consolar, dizendo que logo tudo ficará bem, mais eu me sinto só, ao perceber que jamais conseguirei ser realmente ouvida e entendida.
Seis meses, filho. Em breve essas lembranças farão aniversário de um ano e você terá seis meses. E logo você completará um ano e a ferida dessas lembranças continuará sangrando, diariamente. Preciso que você saiba, seguramente, que sou a criatura mais feliz do mundo por ser a sua mãe, mas que como qualquer ser-humano, possuo minhas dores e traumas pessoais. A sua existência se faz necessária e mais do que adequada neste momento da minha vida e tenho a certeza de que, sem você, tudo seria muito mais difícil e sofrido. Hoje fui parabenizada pelo Dia Internacional da Mulher, mas apenas me sinto como a sua mãe.
Final do dia, a barriga já possui um diferente formato e está cada vez mais baixa. A leve cólica permanece e tudo que desejo é a minha maravilhosa e confiável cama. O cansaço toma conta da minha mente, os meus olhos pesam e todos os meus sentidos já se confudem. Finalmente, por algumas poucas e silenciosas horas, terei a chance de realizar em sonhos todos os meus antigos desejos...

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