quinta-feira, 19 de março de 2009

O recomeço

O telefone permaneceu mudo por quase sete meses. Agora me sinto até estranha ao atender uma ligação, como se não soubesse o que dizer para a pessoa do outro lado da linha. “Alô? Oi, quanto tempo!”
Algumas vezes, antigos amigos não reconhecem a minha voz. Acho que nem eu mesma poderia reconhecer algo que não ouço mais. Tenho passado tanto tempo calada, alguns momentos apenas escrevendo ou pensando sobre tudo, que a fala se tornou o meio de comunicação mais incomum e primitivo. Eu já gostei tanto de ouvir os meus próprios discursos sobre algum assunto abordado, longos e confusos discursos que persuadiam qualquer um. Hoje, cansada e descrente das minhas loucas filosofias, percebo que falei mais do que devia e ouvi menos do que precisava. Difícil admitir, mas tudo que me tem acontecido trouxe a certeza de que não enxergava nem um palmo diante do meu nariz e, ainda assim, acreditava que possuía olhos de lince.
O telefone não pára mais, todos querem saber detalhes sobre sua chegada. Todos perguntam sobre como me sinto, e algumas vezes questionam coisas que eu não poderia nem responder. Agora, a minha voz já não soa mais com tanta petulância e insolência. Já não possuo falas tão compridas...
Muita teoria e pouca prática, assim me construí e vivi antes de sua existência. Não consigo compreender como tanta imaturidade pôde ser capaz de permanecer todo esse tempo, sem ser abalada. Acreditei nas fórmulas, levei a sério tudo que li a ponto de ignorar as entrelinhas. Desejei loucamente o conhecimento e não percebi que não o alcançaria sem aceitar a vivência alheia. Nada me convencia, eu era a auto-suficiência em carne e osso. Talvez fosse uma fuga, a maneira mais fácil de não encarar as verdades que aqui sempre estiveram.
E você veio de repente, filho, para me mostrar que eu de nada sabia. Que eu perdi muito tempo acreditando que era uma pessoa incrível e não enxerguei a minha covardia e descaso com a vida. Uma pessoa sem compromissos, cheia de medos e inseguranças. Uma força forçada, um sorriso sintético e uma tranquilidade arranjada. E agora você apareceu para desfazer esse protótipo falido.
Sempre vivi numa bolha, protegida pelo amor e bondade dos seus avós, e possuía um discurso ridículo de que o sofrimento engrandece o homem. Enquanto pessoas morriam de fome, cresciam em meio à violência e eram ignorados pela cultura, eu tinha mais do que o necessário e ainda assim acreditava que era castigada pela vida.
Ver apenas o que acredita, e não acreditar no que vê. O erro cometido que foi fruto da junção de todos os pecados capitais. Foi bom enquanto durou, mas hoje sinto o peso da minha escolha. Acredite, filho! Escrevo para você na tentativa de te fazer errar menos e viver mais. Sei que irá, inevitavelmente, comenter os seus próprios equívocos, mas não posso perder a chance de te fazer entender o que não é válido seguir como exemplo.
Em uma semana, provavelmente, você estará entrando pela porta da nossa casa e mudará todo o ritmo da minha vida, mais uma vez. Desculpa por desfazer, sem meias-palavras, da imagem de perfeição que os filhos procuram sempre ter dos pais. De certa maneira, me revirar pelo avesso só me dá forças para recomeçar do zero novamente. E desse meu jeito prometo tentar te fazer a criança mais feliz de todo o mundo.

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