quinta-feira, 12 de março de 2009

A sua escolha

Fico sempre muito curiosa quando penso sobre suas prováveis e improváveis reações ao primeiro contato com este blog. Nossas vidas, histórias que normalmente permaneceriam secretas, meus mais íntimos sentimentos sobre tudo e todos, contos devassados com uma única permissão: a minha. Cada pedacinho seu, filho, se reproduz através dos caminhos que eu escolhi e das opções, certas e erradas, que continuo fazendo. A responsabilidade me deu um ultimato meio tardio, penso, mas necessário. Outro dia estava analisando as minhas atitudes passadas e admito que, por bastante tempo, fui omissa e covarde com o meu futuro. Escondi-me atrás da imagem dos meus pais, me acomodei a condições de vida que, na verdade, não eram minhas, mas da minha família. Deixei o tempo passar e hoje sinto o peso do castigo. Por mais que ainda seja jovem, com um longo tempo pela frente, tenho consciência de que o caminho poderia ter sido fácil quando as oportunidades me estenderam a mão, e agora eu terei de correr no rastro da poeira que deixaram para tentar alcançá-las novamente. Tremo por dentro só em pensar que agora terei um filho que merece tudo de melhor neste mundo, e que sozinha não tenho a menor condição de criá-lo. No que se resume então uma pessoa como eu, sem condições moral, social, financeira e profissional? Um nada! Na real, a vontade que tenho é de fugir, correr o mais rápido que puder até desaparecer das vistas alheias, virar história que logo seria esquecida. Assim tudo seria mais fácil, bem mais fácil do que encarar a vida como uma corajosa idiota. Os conflitos que enfrento, dividida entre razão e emoção, só me fazem sentir mais confusa. A única opção é manter a calma, resgatar a tranquilidade e esperar pelo dia seguinte.
Imagino você lendo este blog no futuro próximo e tirando as suas próprias conclusões sobre mim, sobre tudo que envolve a sua existência. Conhecendo, através das minhas tortas palavras, pessoas que não farão parte da sua vida e outras que estarão sempre presente. Sentindo, vivendo e talvez até abominando fatos passados, simplesmente porque estão escritos e jamais poderão ser apagados. Escritos com as minhas palavras, filho. Uma história de vários lados, mas numa única versão. E, no final, todos os acontecimentos desde muitos anos atrás levam a linha do mundo até você.
Duas pessoas já tentaram ler a minha mão, mas ambas nunca souberam me dizer o que viam exatamente. O primeiro me contou que os meus traços são confusos, mas que podia ver que a minha força e concentração mental poderiam ser capazes de quebras até copos de cristal. Além disso, que a minha linha da vida teria uma grande e grave interrupção, mas que logo eu me refaria e continuaria o meu caminho. O segundo nada conseguiu decifrar, desistiu e mudou de assunto. Ele também me disse que as minhas linhas são muito confusas, que não são claras. Duas mulheres garantiram que você era uma menina. Nunca tinham errado antes com testes supersticiosos, mas dessa vez até o médico se confundiu. Todos se equivocaram. Inclusive eu, que sonhei com uma linda garotinha nos meus braços e tinha a certeza de que era você. Embora sempre tenha sentido que esperava por um menino, eu sonhei que viria minha Agatha. Veja, meu filho, temos destinos cruzados. Vidas indefinidas, mistérios que rodam nossas almas. Futuros embassados, imagens que se tornam desfocadas pela máquina do tempo.
Há chances para que me considere uma louca, uma pobre coitada sem rumo. Há também probabilidades para que seja a melhor pessoa a compreender de fato as minhas palavras. Um dia, você escolherá seguir um caminho diferente ao meu ou continuar os meus incoerentes passos. Logo decidirá sustentar as minhas incompreensíveis idéias ou então se desfazer de todas elas. Sim, corremos o risco de sermos dois estranhos, por mais que isso seja uma remota possibilidade.
Sei que meus pensamentos parecem racionais demais, às vezes assustadoramente práticos e de lógicas incomuns. Mas quem eu seria se não me construísse dessa maneira? A sua mãe, com certeza que não...

terça-feira, 10 de março de 2009

Há seis meses...

(Texto escrito em 08/03/2009)
Uma leve cólica me acordou hoje, avisando que você está mais próximo a cada dia. A barriga já aponta para baixo e fico a pensar se você vai antecipar o nosso encontro. Sua avó já se prepara para uma possível surpresa, a ansiedade toma conta de todos a nossa volta.
Como de costume, acordei às seis e meia da manhã e dei uma volta na varanda da casa. Clima de um provável domingo comum, sol, piscina e feijoada, mas logo percebi que, nesta data, há seis meses, me despedi de Londres e perdi alguns dos meus mais queridos sonhos. Voltei para a cama e imagens dos meus últimos momentos antes do vôo e os primeiros após a minha chegada a Salvador vieram na minha cabeça. A sofrida arrumação das malas, eu não sabia o que deixar para trás. O último banho, a última vez que deitei na cama ao lado do seu pai, as lágrimas que o chatearam e o fizeram dizer coisas que me machucaram muito num momento que eu só precisava de carinho, de um abraço apertado. O alarme que me despertou na madrugada, avisando que a hora de ir tinha finalmente chegado. O táxi esperando na porta do prédio, seu pai desceu com as malas e eu permaneci imóvel, sentada na cama; então ele subiu para me buscar e me conduziu para dentro do carro. O caminho; estávamos calados e eu deitada no colo dele, só observava o céu escuro, as luzes da cidade que tanto amo, os prédios, as casas, o silêncio que dominava tudo. Seu pai afagava os meus cabelos e quando chegamos ao aeroporto, um aperto de mão me avisou que a cada segundo se aproximava mais o meu maior pesadelo. O check in, uma das malas com excesso de peso, seu pai nervoso abriu as bagagens e reorganizou rapidamente a arrumação. Eu, nesse momento, já não tinha ação para mais nada. Uma volta rápida até o saguão e então a chamada. Não tive tempo de me despedir e mesmo que tivesse um dia inteiro, não seria suficiente. O último abraço, mais lágrimas que ardiam os meus olhos e embassavam as minhas vistas, o receio de nunca mais tocar o rosto do seu pai, de não poder dizer o quanto ele era importante para mim. As nossas últimas palavras, os pedidos, as declarações. Eu não queria partir, mas não tinha mais volta. E então o pior momento, quando perdemos o contato visual e tudo mais teve de ser dito através de mensagens de celular, antes da decolagem. Eu estava tão paralisada de medo, de dor, me sentindo tão só...
O encontro com seu avô, a vergonha quase não me deixou dar um passo em sua direção. Ele estava lá, ansioso, saudoso e assustado, esperando para me dar o abraço mais apertado do mundo. Eu quis chorar, mas engoli o desabafo e forcei um daqueles sorrisos falsos. A chegada em casa, eu ainda do estacionamento avistei a sua avó sentada na varanda, séria e não menos assustada, me observando descer o caminho até a porta. Eu queria sumir, entrar num buraco qualquer e me esconder. Tomei um banho, desfiz as malas, troquei poucas palavras com todos, tentei ligar para o seu pai e não consegui, e então me recolhi. Procurei a minha tão esperada cama, para finalmente desabar em choro. Passaram-se seis meses desde esse longo dia e eu me sinto a mesma, nada mudou. A dor, a vergonha, a saudade de tudo que deixei para trás, o medo da possível perda que hoje se tornou um fato. Tudo isso continua presente e todo esse tempo so serviu para reforçar esses sentimentos. A sensação de que essa grave ferida nunca vai cicatrizar é mais forte a cada movimento de respiração.
Todos acham que o tempo passou muito rápido, mas só eu sei o quanto me custa cada manhã que acordo e percebo que não estou em Londres, cada noite que deito e trago um choro mudo. Só o meu travesseiro pode testemunhar os meus anseios, todas as noites. Só eu sei o quanto dói enxergar que os meus planos foram desmontados, que a idéia de “vida perfeita”, tão simples, não foi possível de realizar. E quanto mais as pessoas tentam me consolar, dizendo que logo tudo ficará bem, mais eu me sinto só, ao perceber que jamais conseguirei ser realmente ouvida e entendida.
Seis meses, filho. Em breve essas lembranças farão aniversário de um ano e você terá seis meses. E logo você completará um ano e a ferida dessas lembranças continuará sangrando, diariamente. Preciso que você saiba, seguramente, que sou a criatura mais feliz do mundo por ser a sua mãe, mas que como qualquer ser-humano, possuo minhas dores e traumas pessoais. A sua existência se faz necessária e mais do que adequada neste momento da minha vida e tenho a certeza de que, sem você, tudo seria muito mais difícil e sofrido. Hoje fui parabenizada pelo Dia Internacional da Mulher, mas apenas me sinto como a sua mãe.
Final do dia, a barriga já possui um diferente formato e está cada vez mais baixa. A leve cólica permanece e tudo que desejo é a minha maravilhosa e confiável cama. O cansaço toma conta da minha mente, os meus olhos pesam e todos os meus sentidos já se confudem. Finalmente, por algumas poucas e silenciosas horas, terei a chance de realizar em sonhos todos os meus antigos desejos...

quinta-feira, 5 de março de 2009

As fantasias

Depois de tantos meses, ainda considero o meu quarto o único refúgio totalmente seguro. Se é que isso é possível. Quando a mente não está totalmente a seu favor, não há um local no mundo que seja de absoluta paz e tranquilidade. De qualquer forma, o meu quarto continua sendo o meu mais valioso espaço.
A tarde de ontem foi extremamente quente e abafada. Senti-me sonolenta e pesada, conseqüência da gravidez, acredito. Embora sempre tenha sido sonolenta aos dias e desperta às noites... Enfim, ontem só conseguia pensar na minha cama, no filme da Sessão da Tarde, num pedaço enorme de melancia antes de um copo maravilhoso de Coca-cola e no ventilador, girando bem na minha frente. E como toda e qualquer mulher grávida, cedi aos meus desejos como num passe de mágica!
Uma cena do filme, em especial, chamou-me bem a atenção. Na sala de aula, o professor de literatura discursava sobre fantasia. Claro que uma certa obra de Shakespeare foi citada como o exemplo mais clássico e romântico da situação, mas o que ele queria mesmo abordar era a questão do uso da fantasia para a conquista de algo desejado. Fiquei pensativa o resto do dia e a noite também, mais ainda. Filho, esse momento de espera faz-me refletir todo o tempo sobre a pessoa que eu era, que me tornei e que provavelmente serei em alguns anos, até o fim dos meus dias. A única coisa que tenho feito em todos esses meses é pensar. Desmonto minha natureza e refaço meu raciocínio a todo momento. Nem quando criança brinquei tanto de quebra-cabeça...
Todas as fantasias que já vesti, vieram ao meu encontro como num baile de carnaval único e assutador. Mais parecia festa de Halloween! As músicas, as luzes, as danças, as gargalhadas das máscaras que me assombraram por todos esses anos de tentativa de desintoxicação psicológica. Não posso esquecer-me de algumas fantasias românticas, outras infantis ou até mesmo as mais ingênuas. Essas fizeram alguns momentos da festa, mágicos.
Lembrei das fantasias que usei para encenar nas comemorações da pré-escola. Ou daquelas que encarnei com emoção nas pecas de teatro do Vieira, mesmo essas nunca sendo personagens principais. O concurso de poesias, subi ao palco como uma verdadeira poeta. A minha “grandiosa obra” foi publicada no livro anual do colégio, como prêmio, e fui convidada a recitá-la para um auditório repleto de pais e familiares orgulhosos. Outras fantasias eram submissas e inseguras, quando me calava diante dos colegas por vergonha de ter o meu nome exposto no jornalzinho mensal, ou até mesmo em gincanas ou trabalhos extracurriculares. Uma vez, aos 14 anos, fiz um lindo poema sobre o crepúsculo e pedi a uma amiga que assinasse por mim, para que o texto fosse publicado na escola. Realmente um lindo poema...
As paqueras. Perdi a conta de quantas vezes fui alguém que não reconhecia em mim, só para impressionar garotos imaturos e vazios. Os olhos se enganam. A beleza cega. Ao contrário do que dizem os cientistas, a mente não processa as informações tão rápido quanto o coração sente. E ele normalmente comete equívocos, filho.
Comparando todas elas, a minha fantasia mais perigosa atuava com a compreensão e fácil aceitação de todos os fatos. Tudo era normal, qualquer coisa era perdoável. Só não valia perder a alegria, o sorriso. Afinal, é isso que todos esperam sempre de você. Uma pessoa madura, segura, feliz, realizada e moderna. Cada mágoa, cada traição, as revoltas por sentir-me enganada, nada disso era justificativa forte o suficiente para um desequilíbrio emocional momentâneo. Lá eu estava, sempre desempenhando esse papel ridículo e medíocre, a mulher mais compreensível e doce do mundo. Chorando por dentro, mas sorrindo por fora. Coração sangrando e comportamento digno de realeza. E eu estava completamente errada! Muitas pessoas se aproveitaram dessa fantasia perfeita. Eu me aproveitei também da minha própria máscara e só encontrei a dor e decepção mais na frente. A vida se encarregou pessoalmente de me desmascarar por cada vez que tentei me esconder dela, por trás de um falso e forçado sorriso. Desmoronei, sim. Achei por um momento que nunca mais fosse levantar. E algum tempo depois, lá eu estava novamente com uma fantasia inédita, porém versão mais atualizada dos meus tempos de idiotice completa. Alienação, pode-se afirmar. Até hoje me questiono os motivos que me levaram a tantos disfarces. Nada alcancei, apenas me machuquei. Tudo que consegui foi ouvir, em diferentes textos, que sou a pessoa mais pura e doce que já conheceram, e que por isso não merecia ser mais magoada. Minhas fantasias sempre foram dignas demais, e por isso sempre receberam a “sinceridade” alheia em troca. Ninguém se sentiu suficientemente elevado ao meu nível, depois de tanto terem mentido e forjado alguma característica nobre. Todos souberam aproveitar a novidade do “ser bom e honesto” em mim para depois se julgarem indignos da minha preciosa companhia. Ninguém perguntou às minhas fantasias o que eu queria, o que eu achava e desejava. Ou o que não desejava. Os meus compreensivos sorrisos subtendiam maturidade excessiva.
Processo vicioso, impossível de ser desfeito depois que se passa a ser parte integrante dele. Hoje visto a fantasia de mãe. Procurei esquecer a pessoa e mulher que habitavam em mim. Eu já me dividi em três e agora me vejo em apenas uma. Há seis meses, a fantasia do compreensivo sorriso engoliu os meus anseios e resumiu a minha existência através de uma fantasia maternal incompleta. Venho tentando consertar mais este erro durante todo esse tempo. Complicado, confesso. Extremamente doloroso e complicado, porém necessário.
As fantasias nos dão coragem para realizar algo considerado inadequado por nossas próprias leis pessoais. Uma máscara facilmente posta pode tornar-se difícil de ser retirada. Às vezes, fingir ser uma outra pessoa parece a atitude mais simples e coerente, mas na verdade é a opção mais perigosa, o caminho mais tortuoso.
A minha cama, definitivamente, estava especialmente deliciosa ontem. Desconfio de que ela vestiu o disfarce de esconderijo e me fez sentir a mulher mais protegida, no mais absoluto conforto. Adormeci, e esta manhã percebi que algumas das minhas fantasias já estavam aposentadas, penduradas nos cabides do armário do tempo.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um dia de cada vez, uma vez a cada dia

Um domingo atípico. Casa vazia, ausência de música, bebidas e festival de tira-gostos. Poderia ter sido um final de semana como todos os outros, com bastante gente transitando da piscina para o quiosque, sua avó na cozinha todo o dia, preparando comida para um batalhão, seu avô ouvindo o som no volume máximo até estourar as caixas, enfim... Nada disso aconteceu.
O dia estava muito quente, abafado, e então decidi jogar-me na piscina. Sozinha, apenas um gelado copo de Coca-cola me acompanhava. Esse eu tenho a plena certeza de que nunca me abandonará... Mergulhei, a água estava simplesmente deliciosa. Senti-me tão bem ali, sorri. Protegida, feliz. Imaginei o nosso primeiro mergulho juntos. Quando pequena, eu costumava correr para o mar ainda com roupa. Fugia para a primeira poca d’água. Não tinha paciência em esperar para ter aquele sempre maravilhoso encontro com as ondas. Acredito que com você não será diferente...
Então ali estava, na piscina, e comecei a experimentar a leveza que sentia. Criei passos, vagarosamente. Movi os braços e as pernas, o quadril. Ensaiei movimentos das artes marciais, imitando cenas de filmes que tinha assistido antes. Acompanhei as ondas que formei com as mãos e observei a direção que os meus longos fios de cabelo seguiam, em mudança constante. Experimentei o silêncio, submersa. Fiz massagem na barriga para que você sentisse as vibrações. Pensei em nós dois. Pensei em você, meu filho. Olhando em volta percebi o que estava acontecendo. Definitivamente, o paraíso te aguarda aqui, ao meu lado.
À noite, sentei-me para assistir o Fantástico. Eu, um pedaço do bolo de chocolate que a sua avó fez (maravilhoso!), um outro geladíssimo copo de Coca-cola e Lana, como sempre ao meu lado até o fim de todas as noites. Vi uma reportagem sobre a guerra travada entre o Vice-presidente José Alencar e o câncer. Há 11 anos, sem trégua. Filho, eu nunca passei por graves problemas de saúde, mas tenho a certeza de que não há drama maior do que a falta dela. É incrível a coragem daquele homem! E a clareza para encarar os fatos é, sem dúvida, invejável! A tranquilidade, a sobriedade. Em seu discurso, ele diz que não é a coragem que o faz enfrentar a doença, mas sim a necessidade. Simplesmente é necessário! E não se deve temer a morte, pois ela faz parte do ciclo da vida. Que cada dia que lhe for dado, será aproveitado. E finalizou agradecendo a Deus.
Respirei fundo, pensei nos seus avós quando idosos, pensei em mim no fim de tudo isso. Pensei em você, provavelmente eu não estarei aqui para te abraçar. Quis chorar, uma tristeza precoce invadiu o meu peito e me fez ter a certeza de que não estou preparada para tal despedida. Sempre encarei a morte como algo realmente natural, mas confesso que acreditava na eternidade da nossa família. Hoje, certa de que isso não existe, percebo que toda a minha infantil e doce ilusão não passava da não aceitação dos fatos. Deu uma vontade louca de fugir, me esconder desse futuro cruel e pesado, feio. Desconhecido...
Fugir... Correr do mundo até ultrapassar suas barreiras imaginárias. Fingir que não existo, debaixo das cobertas talvez, até que a vida esqueça que estou aqui. Ser invisível para a morte. Inexistente para a tristeza. Nula ao sofrimento. Mas daí vem o nobre pensamento do nosso Vice-presidente, sobre encarar a morte para viver a vida, viver a vida para encarar a morte. Respirar todos os processos, todo o ciclo. E senti-me tão pequena! Covarde e fraca. Como me odeio sempre que desejo essa fuga! Uma corrida contra o tempo que, por um momento, faz tanto sentindo. Mas que depois se torna incoerente e estúpida.
Tudo bem, desisto. Entrego-me à realidade. Nada de complexo de Peter Pan, nunca mais! A Terra-Do-Nunca não existe, ou pelo menos eu ainda não tenho conhecimento desse mais que valioso mapa. Viver um dia de cada vez, como se fosse o último. Sem exagerar no Carpe Diem, claro...
E no meio de todo esse melodrama de novela mexicana, agarro o desfecho da história como a vilã mais sedenta por uma resposta aos meus violentos traumas. O segredo é experimentar. Não dar espaço às frustrações. Não se deixar enganar por futilidades e banalidades que só tomam o seu precioso tempo. Dividir o prazer da vida com as pessoas que ama, e que te amam. Agradecer aos elementos da natureza, pedir permissão diária para utilizá-los a seu favor. E depois de muito treino, conseguir ser mais veloz do que a própria consciência. Conseguir sorrir para o dia assim que abrir os olhos, antes mesmo de pensar, pelo simples fato de ter acordado mais uma vez. Em menos de um mês terei o maior motivo para acordar, todos os dias... O meu Sol, Anachin.
Despertar amanhã mais contente do que hoje. E assim por diante. Um exercício sem fim, para o resto dos meus dias...
Um dia de cada vez, uma vez a cada dia.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Um mês

(Texto escrito no dia 25/02/2009)
Um mês, a partir de hoje, para a primeira data prevista. Um sonho que se torna mais real a cada dia, um medo que me domina quando penso que você está mesmo chegando. Quase tudo pronto, a expectativa toma conta de todos a nossa volta. Ondas se formam na minha barriga. E você se movendo, procurando uma posição mais confortável, mais espaço, se preparando para furar as primeiras barreiras da vida.
Eu passei uma gravidez inteira pensando em coisas que gostaria de te falar, mas as palavras não vieram. Achei que seria mais fácil, tinha planejado durante toda a minha vida uma pauta de informações, idéias e conselhos que julguei interessantes e fundamentais para que você fosse uma pessoa brilhante. Na hora H, deu branco! Nada lembrei, não consegui recordar nem uma frase do lindo discurso que tinha preparado. Entrei em desespero, achei por um momento que seria tudo mais difícil se eu não conseguisse me comunicar com você ainda na minha barriga. E então, com o tempo, percebi que nunca deixamos de conversar. Desde que você foi gerado, nossa relação se tornou possível. Na verdade, sinto que esse elo já existia mesmo antes da minha própria manifestação em carne e osso nesta vida. Tudo que eu aprendi, todas as minhas realizações, já foram passadas para você como heranças espiritual e genética.
Ontem foi um dia de reflexão. Eu estava tão introspectiva que quase não consegui levantar da cama. Senti-me estranha, pesada, desconfortável e deslocada na minha própria casa. Não me senti de lugar nenhum. Olhava em volta e não via a minha família e amigos. Fugi para a piscina, depois me joguei no chuveiro por horas. Nada mudou. A sensação continuava forte e a cada minuto que passava se transformava num incômodo maior ainda. Quis chorar, e quando recebi uma ligação de Ana, lá de Londres, não contive as lágrimas. Despejei toda a minha angústia e dor. É incrível como a Ana tem o poder de me fazer falar mais do que o normal. Com ela, eu consigo ser ainda mais sincera. Só a Ana sabe o que realmente sinto, o que penso e como vejo o mundo. Ela estava no lugar certo e na hora certa, quando por uma única vez, num momento de “lucidez”, eu consegui desmascarar o meu verdadeiro Eu. Tudo é muito mais complexo do que esses textos, filho. Eu realmente espero que você seja como a Ana. Gostaria muito de poder dividir o meu mundo com você...
A Ana Paula carioca. Uma amiga incomum, extremamente especial. Prefiro falar sobre ela um outro dia, merece mais destaque...
Após a ligação, me senti muito mais leve. Consegui enxergar familiaridade em cada canto da casa. Em cada riso estampado. Na Gigi. Acalmei, respirei melhor. Ensaiei uma conversa sensata com algumas pessoas e então a tranqüilidade voltou a imperar. E tudo foi retornando ao seu devido lugar, apesar de ainda não consegui encontrar o meu próprio espaço aqui. O seu espaço, filho, infelizmente ainda não posso garantir em lugar nenhum. Faço-te uma proposta, uma promessa. Vamos achar e conquistar a terra prometida juntos, ok?
Hoje o carnaval se despede, deixa saudades e promete um novo encontro em menos de um ano. Hoje, a escola de samba Salgueiro comemora como vencedor no Rio de Janeiro. E aqui em Salvador, por mais que a festa tenha se findado no resto do país, a impressão que nos passa é a de que as comemorações continuam e jamais se cessarão. Hoje, dia 25 de fevereiro de 2009, inciou-se a contagem regressiva para nosso tão esperado e grande encontro.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Não há fotógrafos...

Eu não podia medir a sensação antes, mas agora vendo os trios e a multidão através da TV, a alegria estampada em cores nos abadás, as músicas mais dançantes, a luz que brilha em toda a avenida, o arrepio inexplicável que contagia o povo, a energia que emana de cada canto da cidade... A indescritível emoção que inunda os circuitos do carnaval de Salvador. Assitir a tudo isso por uma tela quando estou apenas a 40 minutos da maior festa popular do planeta, nossa! Eu não podia recordar o quanto doía não estar lá.
Eu nasci no meio disso, filho! Eu fui contemplada por ter pais maravilhosos que só queriam me proporcionar o melhor, por nascer numa época em que a festa ainda podia ser curtida por pessoas de todas as idades e classes sociais, quando o carnaval ainda era dos baianos. Eu fui criada nas ruas vestida com diversas fantasias, pude curtir o som do Chiclete, pulando sem preocupações no meio da Avenida Sete, ainda criança. E já adulta, ainda tive a oportunidade de seguir o Camaleão do lado de fora do bloco, segurando firme a corda por todo o percurso. Vivi o InterAsa... Segui os trios independentes ao maravilhoso som de Armandinho e Luis Caldas. Nada pode hoje ser melhor do que aqueles tempos de carnaval... Eu, minha família, uma festa genuinamente soteropolitana!
Hoje estou sentada na frente da TV, apreciando a alegria do povo e esperando por você, Anachin. Vejo jovens começando a vida, sem grandes preocupações e com aquele sorriso típico de quem ainda acredita. Um sorriso que eu tinha há quatro anos e perdi, recuperei com muito sacrifício e me foi arrancado novamente, sem o menor pudor. E o mais incrível é que ainda sou muito jovem...
Vejo através da televisão grupos fazendo pose para fotos. Seja um profissional, um desconhecido ou até mesmo um amigo, sempre há alguém de plantão para registrar esse momento tão incrível e inesquecível. Episódios únicos que serão congelados para toda uma eternidade.
E hoje então me dei conta de que não temos muitas fotos, não há quem registre... Ainda bem que já existe o disparo automático após dez segundos! As poucas capturadas são frutos dessa maravilhosa tecnologia, feita para viajantes solitários. Hoje pude realizar que estou há quase seis meses dentro da minha casa e as únicas pessoas que vejo diariamente são os meus pais, minha sobrinha Gigi e os três funcionários. Além dos pássaros, micos e sapos, claro... Não há um fotógrafo! Seus avós não se tocam dessa minha necessidade e a Gigi só tem dois anos.
O tempo passou voando, a semana corre numa rapidez que eu não tinha a noção antes. Já faz mais tempo que estou aqui, sozinha, esperando por você, do que o tempo que vivi com o seu pai. E posso te dizer que todos esses meses foram superdimensionados na minha cabeça. A verdade é que tenho a impressão de sempre ter estado no meu quarto, na minha cama. De que tudo não passou de um enorme sonho.
Tantas coisas aconteceram, meu amor! Tantas outras não puderam se concretizar...
Faltou uma pessoa aqui que poderia registrar todos esses momentos muito melhor do que eu, muito melhor do que qualquer um!
Preciso te dizer o quanto você fez uma barriga linda! Como estou realmente linda, e é uma pena que tudo isso esteja acontecendo, baby! Preciso também dizer o quanto me dói ensaiar fotos de nós dois, sozinha, quantas delas já foram deletadas! Como me constrange pedir a algum desconhecido que fotografe a minha barriga na praia, e depois ter que explicar, inevitavelmente, que não há uma companhia, que não há um companheiro...
A vergonha de posicionar uma máquina e sair correndo, fingir que não percebo nada e fazer uma pose, escolher um sorriso falso, esperar o disparo do flashe... Nesse momento sempre realizo que nunca me senti tão só. Nossa, filho! Mulher nenhuma merece passar por isso! Então me escondo em algum canto da casa onde não haja perigo de flagras, e inicio uma sessão de clicks solitários. Não pode imaginar a tristeza que me toma sempre que penso que a ocasião merece uma boa foto, mas não há fotógrafos...
Aprendi a respirar suavemente, compassadamente, para que essa dor não tome conta de mim. E percebi que estou praticando esse exercício há quase seis meses, e por isso não sinto mais os meus pulmões.
Assisto na TV uma alegria incessante e coletiva. E tudo que penso quando assisto é ter-te nos meus braços pela primeira vez, para poder usufruir de uma sensação melhor ainda. Uma emoção exclusiva. Um disparo automático, único e eterno na minha memória...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Por favor, não solte a minha mão


Eu irei guiar os seus passos por alguns dos seus preciosos e primeiros anos. Estaremos de mãos dadas até que seus pés se firmem e você possa caminhar seguramente, sem tropeços. Só te peço, filho, que quando estiver pronto para andar sozinho, ainda assim não solte a minha mão. A essa altura eu já estarei acostumada com a sua companhia, pois até já sinto seu corpo como extensão do meu. Peço-te que não caminhe depressa, que não me deixe para trás, pois estarei um pouco mais cansada e não poderei correr para te acompanhar. Imploro que não se esqueça dos meus tortos passos, dos meus desordenados, porém sinceros passos. Não solte a minha mão. Estarei contando com a sua ajuda num futuro não muito próximo, contudo certo. Preciso que seja o meu guia quando o caminho já não parecer tão longo. Desejo, mais do que tudo, que seja o meu conforto e a minha coragem por toda a minha vida...