quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Espanhola


De frente para o meu quarto tem um quadro que já acompanhou a minha família em todas as residências que tivemos, por todos esses anos. A Espanhola…
A pintura é feita em cima de um espelho retangular e a dançarina está em postura de quem vai atrair todas as atenções, com um vestido comprido de alças e decote nas costas, preto, com as saias rodadas e rosadas, de vários babados. Uma sapatilha com enorme salto, o cabelo preto e preso num coque, e ela está numa sala que possui uma mandala verde e amarela por trás de uma parede de tijolos e uma porta em formato de arco. Para completar o cenário, há um vaso verde com detalhes dourados numa faixa preta, quase ao meio do objeto.
Desde pequena eu me via naquela espanhola, sentia uma conexão inexplicável com a obra. Sempre gostei de dançar, mesmo antes de saber andar. Ensaiava saltos descompassados, cantava músicas desordenadas e tinha a certeza de que era uma estrela! Lembro-me bem das festas em que participava de gincanas e sempre ganhava a medalha de ouro… hehehe! Ninguém conta a história da Emilia Iguatemi melhor do que a minha mãe, mas esse conto fica para um outro dia…
Eu tinha a certeza de que seria famosa, conhecida por qualquer pessoa e querida, muito querida. Como uma boa baiana, estava convicta de que seria cantora de Trio Elétrico, tão famosa quanto a Marcia Freire da época e a Ivete de atualmente. Queria muito viver da música, da dança, da fama… Não sei onde me perdi, filho! Há quem diga que eu tinha talento.
Eu sempre olho para esse quadro, enfim, e penso no quanto eu gostava de dançar. Me sinto tão livre! Nao necessito de aulas, simplesmente fecho os olhos, respiro fundo e deixo a melodia invadir o meu corpo. O ritmo cuida do resto, não preciso me preocupar com passos, como se a música tomasse conta das minhas veias, como se as cifras se transformassem no ar que penetra nos meus pulmões.
Ah, quando me recordo das muitas noites da Heaven! Londres já foi cenário de inúmeras memórias, mas as noites de segunda-feira foram ímpares! Eu só precisava dos meus óculos escuros, de dois bastões luminosos e pronto! A música alta tomava conta de tudo, nada mais passava na minha mente além de passos inéditos. Acho que a Ana Paula, o Miguelão, Miguelito e a Elaine, além de outros muitos amigos, podem descrever essas cenas melhor do que eu. Como era bom, nossa! Eu me sentia uma pessoa importante naqueles momentos, rodeada da melhor platéia, os meus queridos amigos. Eu sentia a leveza, a beleza, a alegria de estar no lugar certo com as pessoas certas. Se não fosse você, filho, eu trocaria meus dias atuais por aquelas noites em Londres, sem pensar duas vezes! Eu fui muito feliz…
Hoje penso como será bom dançar com você. Para você e por você. Outro dia estava conversando com o seu pai no msn (não imagina como é estranho ter esse contato virtual com o homem que compartilhou comigo a sua existência, filho) e estávamos falando sobre meus desejos futuros. Ele me pediu para citar um deles e eu disse que sonhava com o dia em que estaremos os três dançando, abraçados e felizes. Ele ficou mudo por um momento e disse: “Yeah, it would be nice…”
Seria sim, seria maravilhoso!
Será… Não importa a quantidade de bailarinos no nosso salão, será sempre um espetáculo!
Vamos acompanhar os passos da espanhola, a bela dançarina do quadro que presenciou toda a minha infância e juventude. A linda mulher do vestido rodado que me inspirou a ousar ritmos, lugares, idéias e experiências jamais vividas. A Espanhola, minha personagem principal, numa cena que, por mais simples e congelada num espelho retangular, me levou a delírios da Heaven e, por fim, a você…

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